Relatório identifica fragilidades do sistema atual e cita um conjunto de dez reformas
Pablo Acosta
Folha de S. Paulo
O Brasil avançou na redução da pobreza e desigualdade desde o retorno à democracia, na década de 1980. A expansão das políticas de proteção social desempenhou um papel importante nesse processo. Porém, a redução da pobreza estagnou na última década e a taxa de informalidade permanece alta. Além disso, o envelhecimento demográfico, as mudanças climáticas e as novas tecnologias e formas de trabalho geram necessidades e riscos para a população. Como o sistema de proteção social pode seguir desempenhando um papel central em um contexto tão diferente daquele em que muitas dessas políticas foram concebidas?
Em um novo relatório, o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) discutem o assunto. Em duas décadas, a maioria da população brasileira estará em idade ativa, mas não será mais jovem; muitos precisarão navegar pelo mercado de trabalho com baixa escolaridade. O número de crianças terá diminuído, mas, enquanto isso, quase metade delas cresce em condição de pobreza. O número de adultos com mais de 65 anos dobrará, tornando as atuais promessas previdenciárias fiscalmente insustentáveis, mesmo após a recente reforma.
Outra tendência é a mudança climática, cujos efeitos incluem desastres naturais mais frequentes e uma mudança estrutural da economia. Finalmente, as novas tecnologias mudarão a maneira como as empresas utilizam a mão de obra. Haverá mais oportunidades para aproveitar os mercados dos serviços globais, mas também um maior risco de deslocamento de trabalhadores para novas tarefas, e eles – mais do que nunca – trabalharão como autônomos.
A capacidade dos brasileiros navegarem por essas mudanças dependerá em parte da maneira como o sistema de proteção social e trabalho adaptará o conjunto de instituições, programas e despesas às novas necessidades. O relatório identifica fragilidades do sistema atual. Quatro quintos dos gastos com proteção social são alocados a programas que visam principalmente os mais velhos, como se o Brasil fosse um país com tantos idosos quanto a Europa.
Além disso, as aposentadorias do setor formal beneficiam desproporcionalmente as famílias dos quintis de renda superior, embora sejam subsidiados em graus diferentes a partir da receita geral. Por outro lado, apenas poucos programas de proteção social promovem capital humano e oportunidades. Um deles é o Bolsa Família.
O relatório recomenda um conjunto de 10 reformas para o médio e longo prazos, com um olhar para o Brasil em 2040. Será importante aumentar a eficiência dos programas de seguro desemprego, expandir os instrumentos financeiros disponíveis às famílias para administrar a volatilidade da renda e tornar os programas de assistência social mais eficazes no alcance das famílias impactadas pelos choques climáticos.
O sistema também teria que encontrar mais e melhores maneiras de ofertar programas de desenvolvimento na primeira infância, e criar políticas destinadas a apoiar os trabalhadores em transição de emprego ou entrando no mercado de trabalho pela primeira vez, bem como expandir a inclusão econômica em áreas rurais.
Para fortalecer a redução da pobreza, a nota propõe consolidar as transferências direcionadas às famílias trabalhadoras em um único programa, com um componente para crianças e um para famílias de baixa renda. Será fundamental investir no aperfeiçoamento dos sistemas como o Cadastro Único e na capacidade de os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) prestarem serviços sociais mais complexos e de encaminhar os beneficiários a outros programas.
E, a fim de poder financiar essas mudanças, será necessário aumentar a eficiência e a equidade dos gastos, principalmente na Previdência. Nesse aspecto, o relatório propõe uma coordenação mais direta da previdência não contributiva (como o Benefício de Prestação Continuada) com um redesenho da aposentadoria mínima contributiva com incentivos para contribuir ao longo do ciclo laboral. No entanto, será importante reduzir os diferenciais nas contribuições e impostos pagos entre trabalho autônomo e celetista, que hoje contribuem para a pejotização porque essa opção é menos custosa para os empregadores.
Reconhecemos que essas propostas são ambiciosas e, por isso, o debate tem que começar hoje.
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Este artigo foi escrito em colaboração com meus colegas Asta Zviniene (especialista sênior em proteção social), Josefina Posadas (economista sênior), Matteo Morgandi (economista sênior) e Raquel Tsukada (consultora na área de proteção social)