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OPINIÃO23 de março de 2023

O que a pandemia nos ensinou sobre proteção às mulheres?

A violência contra a mulher ficou ainda mais evidente durante a pandemia de Covid-19

Pablo Acosta
Folha de S. Paulo

A violência contra a mulher é um grande desafio que afeta toda a América Latina, incluindo o Brasil. Essa problemática ficou ainda mais evidente durante a pandemia. Estudos constataram, por exemplo, um aumento de 48% e 32% nas ligações para o disque-denúncia de violência doméstica no Peru (Aguero 2020) e na Argentina (Perez-Vincent e Carreras 2020), e um aumento de 30% no índice de intensidade de busca do Google para tópicos relacionados à violência doméstica em um grupo de países que inclui os cinco maiores da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México) (Berniell e Facchini 2021).

No mundo em desenvolvimento, a região da América Latina e Caribe (ALC) foi onde se viram mais claramente os vínculos entre as medidas de distanciamento social da Covid-19 e a violência contra a mulher, segundo recente publicação do Banco Mundial. A análise feita pela equipe do Banco examinou dados de 563 medidas, identificadas em países de baixa e média renda, relativas à violência contra as mulheres durante a pandemia de Covid-19, obtidas do Rastreador Global de Resposta à Covid-19 com viés de Gênero do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e ONU Mulheres.

Dentre os países de baixa e média renda, os da ALC foram os que mais investiram em medidas sensíveis ao gênero envolvendo transferência de renda. Das 112 registradas nesses países, quase metade dessas medidas (47) foi adotada na ALC. Em particular, a maioria das medidas entre os países da ALC visava exclusivamente ou dava prioridade às mães e/ou mulheres grávidas (por exemplo, Argentina, Bolívia, Brasil e Uruguai). O Brasil, por exemplo, aprovou, em março de 2020, o Auxílio Emergencial, que fornecia benefícios mensais aos trabalhadores informais; mães solteiras (mulheres chefes de família com filhos pequenos) recebiam o dobro do benefício. No México, foram concedidos subsídios para trabalhadoras mães de crianças de até 4 anos de idade.

Embora apenas uma pequena parte das medidas de transferência de renda focasse especificamente nas vítimas de violência contra a mulher, alguns exemplos merecem ser mencionados. O programa Acompañar, da Argentina, visa mulheres e pessoas LGBTI em contextos de violência de gênero e oferece transferências de renda equivalentes a um salário-mínimo por seis meses, assistência integral e acesso a apoio psicossocial coordenado com os governos locais e provinciais. A República Dominicana incluiu um componente em seu abrangente programa de transferência de renda destinado a promover o empoderamento econômico das mulheres por meio do empreendedorismo e acesso a serviços assistenciais, e oferecer apoio em situações de violência doméstica.

A maioria (65%) das medidas que trataram da violência contra as mulheres durante a pandemia de Covid-19 analisadas pelo estudo em países de baixa e média renda visava o reforço dos serviços de enfrentamento, enfatizando, assim, a importância de mais investimentos nos serviços existentes ou a criação de uma rede estruturada de serviços onde fosse necessário. Outros tipos de medidas importantes adotadas incluíram campanhas de conscientização (17,2%), melhoria na coleta e uso de dados (6,9%), integração do problema da violência contra a mulher nas respostas à Covid-19 (6,4%) e outras medidas (4,4%).

Tendências semelhantes foram encontradas ao observar apenas os países da ALC, onde foram identificadas quase metade (214) dessas medidas, sendo o reforço de serviços a maioria (65,7%) das respostas, seguido por campanhas de aumento da conscientização (18%), melhoria na coleta e uso de dados (5,8%), integração da violência contra a mulher como problema a ser considerado nas respostas à Covid-19 (5,8%) e outras medidas (4,7%).

De modo geral, a análise mostra que, ao mesmo tempo em que o aumento nos índices de violência contra a mulher colocou em evidência diversas lacunas nas políticas e serviços de atenção a vítimas e prevenção, o contexto emergencial colocou à prova a capacidade de atuação de muitos governos e da sociedade civil. Vimos muitas respostas rápidas e inovação, diversas delas baseadas em lições de epidemias anteriores. Além disso, o enfoque em respostas para mitigar o estresse econômico como possível canal para aumento do risco de violência se mostrou relevante entre as iniciativas de reposta.

Apesar de ainda precisarmos de mais estudos robustos para entender o impacto específico das diferentes abordagens e medidas de políticas adotadas, uma quantidade significativa de conhecimento especializado surgiu a partir da pandemia com lições e recomendações de melhores práticas bastante consensuais entre organizações internacionais especializadas. Entre elas, fortalecer os serviços voltados para a violência contra a mulher e sistemas de primeira resposta (em especial sua integração e coordenação) e adaptá-los a contextos virtuais (por meio de soluções baseadas em tecnologia); assegurar a disponibilidade de recursos para a prevenção e o enfrentamento à violência contra a mulher, inclusive por meio de financiamento direcionado; garantir a coleta e a disponibilidade de dados e fortalecer iniciativas de conscientização; e integrar uma abordagem sensível ao gênero e de violência contra a mulher nas respostas à Covid-19 (ver Bastos et al. 2020).

As medidas de apoio econômico são parte importante dessa resposta. Algumas lições e recomendações nesse sentido incluem: a) Implementar ou expandir o auxílio financeiro, com particular ênfase nas mulheres e/ou vítimas de violência contra a mulher; b) Adotar ou expandir medidas de proteção social na forma de auxílio financeiro, incluindo a transferência direta de renda, cestas básicas ou outros subsídios, incluindo valores em dinheiro para cuidados, pagamento de conta de luz e subsídios salariais; e c) Implementar políticas que promovam o empoderamento econômico das mulheres e as políticas de assistência à infância durante a pandemia e como parte das medidas de recuperação (Banco Mundial, 2020).

Essas lições dialogam com as 25 iniciativas anunciadas no último 8 de março pelo Governo Federal para promover o empoderamento das mulheres e reduzir os índices de violência contra a mulher. Entre elas, destacam-se a retomada do Programa Mulher Viver sem Violência, com construção de 40 Casas da Mulher Brasileira e ações de promoção de igualdade de gênero no mercado de trabalho, com foco em mulheres vítimas de violência.

Nas palavras do diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus: “A violência contra a mulher é endêmica em todos os países e culturas, foi exacerbada com a pandemia e, diferentemente da Covid-19, não se resolve com uma vacina". Para evitar mais danos, é preciso agir já. As recentes medidas divulgadas pelo Brasil contribuem para respondermos a essa situação, mas são apenas um primeiro passo. Muitos outros ainda precisam ser dados no país e na América Latina e Caribe para proteger todas as mulheres e meninas.

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Este artigo foi escrito em colaboração com Paula Tavares, especialista sênior do Banco Mundial em questões de gênero, e Flávia Carbonari, consultora sênior do Banco Mundial em desenvolvimento social e prevenção da violência.

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