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OPINIÃO23 de fevereiro de 2023

Como a pandemia de Covid-19 deteriorou o capital humano no Brasil e quais as opções de recuperação

Agora é a hora de agir com estratégias na área de educação para recuperar perdas

Pablo Acosta
Folha de S. Paulo

A pandemia teve efeitos devastadores entre as crianças e os jovens. Enquanto o pior da pandemia já passou, os seus efeitos ainda perduram. Há soluções, mas implementá-las é urgente. O novo relatório global do Banco Mundial Colapso e  Recuperação:  como a pandemia de Covid-19 deteriorou o capital humano e o que fazer a respeito mede o impacto da pandemia nas crianças e jovens, e aponta soluções para países como o Brasil. A má notícia é que os efeitos são ainda hoje devastadores. Porém, existem estratégias comprovadas para a recuperação dessas perdas.

O relatório enfatiza que a primeira infância é um período crítico para o desenvolvimento do cérebro e estabelece a base para habilidades como alfabetização e matemática. Por causa da pandemia, crianças muito pequenas deixaram de receber vacinas essenciais e pararam de frequentar a pré-escola. Alunos dessa faixa etária na cidade do Rio de Janeiro perderam, em média, quatro meses de aprendizado em 2020, sendo as maiores perdas vivenciadas por crianças em famílias mais desfavorecidas. Em Sobral (CE), os alunos da pré-escola perderam de seis a sete meses de aprendizado. No Brasil, em geral, as perdas foram muito acentuadas. As matrículas no pré-escolar diminuíram e mantiveram-se em baixa em mais de 13 pontos percentuais no final de 2021, em comparação ao que teria ocorrido na ausência da pandemia. Além disso, os declínios nas matrículas escolares foram maiores entre crianças em famílias de menor nível socioeconômico.

De acordo com o relatório, de 1º de abril de 2020 a 31 de março de 2022, as escolas no Brasil ficaram totalmente fechadas por 44% do tempo. Foram parcial ou totalmente fechadas por 90% do tempo no mesmo período. O fechamento das escolas e ainda a ineficiência no ensino remoto resultaram em baixo aprendizado pelos alunos enquanto não havia aulas presenciais. Em média, em todo o mundo, a cada 30 dias de fechamento das escolas, os alunos perdem 32 dias de aprendizado – apesar dos esforços com o ensino a distância, os alunos não aprenderam durante esse período e alguns ainda esqueceram o que tinham aprendido, daí o período de perda ser maior do que o tempo de fechamento.

Além disso, o abandono escolar aumentou em alguns países. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) mostram que, no Brasil, após a reabertura das escolas, houve queda de um ponto percentual nas matrículas em idade escolar. São cerca de 400.000 crianças e jovens dessa faixa que deixaram de ir às aulas.

A juventude é outra fase crucial no ciclo da vida enfatizada pelo relatório. Os jovens estão tomando decisões importantes, tais como continuar a estudar, trabalhar ou constituir família. A Covid-19 levou a uma enorme queda no emprego e a uma pior transição dos jovens para o mercado de trabalho. Na maioria dos países, o emprego nesse segmento caiu drasticamente no início da pandemia. Essas quedas foram particularmente acentuadas no Brasil, com uma redução de seis pontos percentuais. As mudanças na taxa de emprego formal foram pequenas e breves, mas o número de horas trabalhadas pelos jovens empregados, uma medida da qualidade do trabalho, caíram seis horas por semana entre o início de 2020 e o final de 2021.

O número de jovens que não estavam empregados nem matriculados em escolas ou em cursos de capacitação aumentou substancialmente. No último trimestre de 2021, apesar da recuperação, 22% dos jovens do Brasil encontravam-se nesta situação. Estar desempregado ou ter um emprego mal remunerado quando se entra no mercado de trabalho pode deixar cicatrizes – estima-se que o impacto pode perdurar por até 10 anos. No final de 2021, o emprego jovem recuperou os níveis anteriores à pandemia, mas a tendência de médio e longo prazos deste indicador continua a ser relativamente baixa, analisando-se a progressão desde 2011.

Essas perdas são um chamado à ação. As pessoas que tinham menos de 25 anos no início da pandemia representarão 90% da força de trabalho em idade ativa em 2050. Diante desse verdadeiro colapso do capital humano, o que se pode fazer? A boa notícia é que existem estratégias comprovadas para a recuperação dessas perdas. Aumentar a cobertura da educação pré-escolar e melhorar seu conteúdo são bons exemplos. Ambos trariam benefícios de curto prazo, ajudando as crianças a se prepararem melhor para o aprendizado. A longo prazo, eles demonstraram aumentar a frequência no ensino superior e os rendimentos.

Para crianças em idade escolar, simplesmente tê-las de volta à escola não será suficiente. Uma criança que parou de ir à escola na segunda série e ficou em casa por um ano não poderá acompanhar o currículo da quarta série ao retornar. Será importante adequar o ensino ao nível de aprendizado desses alunos. Aumentar o tempo de aula e os programas de recuperação – como aulas de compensação – também pode reverter as perdas de aprendizagem.

Os jovens precisam de ajuda para um bom ingresso no mercado de trabalho. Programas de capacitação, de intermediação e de empreendedorismo adaptados para jovens, além de estágios profissionais, são particularmente importantes.

Em todas estas fases do ciclo de vida estudadas pelo relatório, quando são considerados rendimentos individuais mais elevados, maior receita de impostos e uma menor necessidade de assistência social, a maioria dos programas propostos acabam por compensar o investimento, tendo até retornos mais elevados do que programas voltados para os adultos. 

Para melhor se preparar para choques futuros, o relatório enfatiza a necessidade de soluções que reúnam programas de saúde, educação e proteção social em um sistema integrado de desenvolvimento humano.

Se os países não agirem agora, as perdas de capital humano documentadas neste relatório se tornarão permanentes e perdurarão por várias gerações. A hora de agir é agora.

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Esta coluna foi escrita em colaboração com Joana Silva, economista sênior do Banco Mundial

 

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