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OPINIÃO3 de novembro de 2022

Como melhorar a inclusão dos jovens negros no mercado de trabalho

Grupo enfrenta barreiras no acesso à educação e na disputa por vagas de emprego

Pablo Acosta
Folha de S. Paulo

No próximo 20 de novembro comemoraremos mais um Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil. Instituída oficialmente há mais de uma década em homenagem a Zumbi dos Palmares, essa data ainda reflete as enormes e estruturais desigualdades raciais que persistem no País.

Apesar de diversos avanços em indicadores educacionais, na segmentação ocupacional e na redução do hiato salarial entre os diferentes grupos raciais e de gênero, os negros - cerca de 56% da população– ainda fazem parte da parcela que possui os menores índices de acesso à educação, à saúde e ao mercado de trabalho. Além disso, são os que mais sofrem com os altos índices de violência e encarceramento.

Essa realidade afeta particularmente a população jovem. Os jovens negros e negras no Brasil compartilham sonhos de estabilidade profissional e financeira, mas percebem a falta de oportunidades, a demanda por experiência e os mecanismos de discriminação como barreiras para alcançá-los. Isso é o que mostra um estudo inédito intitulado “Jovens negros e o mercado de trabalho” encomendado pelo Banco Mundial e realizado pelo Afro-Cebrap em parceria com o Instituto de Referência Negra sobre a inserção de negros e negras no mercado de trabalho brasileiro, e que contou com a cocriação e participação de 10 jovens pesquisadores negros das cinco regiões do país, responsáveis por entrevistar outros jovens em suas comunidades.

O estudo destaca três grupos de fatores que impactam na constituição das desigualdades que afetam a inserção dos jovens negros no mercado de trabalho. O primeiro diz respeito às desvantagens no acesso e na qualidade da educação que contribuem para a incorporação de jovens negros em empregos de baixa qualificação, com relações de trabalho frágeis e baixos salários. Entre os 81 jovens entrevistados, 29 abandonaram instituições de ensino. Um jovem que teve a chance de ingressar em uma instituição de ensino superior em algum momento também mencionou o desafio de permanecer no sistema. “Entrar em uma faculdade já é difícil, mas estar lá e não ter suporte para ter acesso aos meios de estudo é ainda mais complicado. (…) Já vi pessoas abandonarem a faculdade e é assustador, porque você sabe que pode ser o próximo a desistir por falta de recursos.”

O segundo ponto trata da segregação ocupacional, que faz com que negros e brancos ocupem nichos específicos no mercado de trabalho. Jovens entrevistados relataram que muitas vezes quando chegam ao ensino superior, suas estratégias de inserção no mercado de trabalho e suas fontes de renda permanecem vinculadas a atividades anteriores (pré-vestibular) ou não profissionais. Segundo dados da PNAD Contínua 2019, mais de 60% dos trabalhadores manuais no Brasil são negros e mais de 60% dos profissionais e empregadores são brancos. Além disso, os negros ocupam apenas 6,3% dos níveis de gestão da empresa, 4,7% do quadro de executivos e 4,9% dos representantes do conselho.

Em terceiro lugar, o racismo, que pode ser visto nas diferenças de salários por raça e gênero entre indivíduos com escolaridade e ocupações semelhantes, amplamente documentadas, e nas experiências em processos seletivos e carreiras descritas pelos jovens entrevistados.

Quase um terço dos jovens citaram, por exemplo, barreiras percebidas no processo de contratação, destacando a relevância da aparência, como cor da pele ou algo “…não alinhado com um padrão de RH”. Os dados da PNAD mostram que, entre pessoas com a mesma escolaridade e a mesma situação ocupacional, homens negros, mulheres brancas e mulheres negras não ganham renda semelhante à de homens brancos com escolaridade e ocupação semelhantes. Por exemplo, homens brancos profissionais e latifundiários recebem, em média, 54% a mais do que mulheres negras, profissionais e latifundiárias.

Para transformar essa realidade de desigualdades enraizadas e mitigar os efeitos do racismo, o estudo recomenda, entre outras, políticas ativas de inserção no mercado de trabalho e outras voltadas ao sistema escolar. Além de diversas recomendações específicas para o setor educativo, como as já mencionadas em outro relatório discutido nesse artigo, o estudo propõe expandir oportunidades de educação continuada e fortalecer as políticas de ação afirmativa para não transformar o ensino médio em um beco sem saída para os jovens de classes mais baixas e evitar a evasão no ensino médio. Sugere também ações do setor privado, como por exemplo programas de trainee específicos para pessoas negras. Evidências mostram que o incremento da diversidade é justo e também positivo para os negócios, pois amplia o escopo de opções, visões, habilidades e compreensão do mercado.

Também é necessário mais investimento no treinamento e preparação para o trabalho e habilidades de busca de emprego. Subsídios salariais podem também ser úteis para incentivar empregadores a contratar candidatos de maneira mais inclusiva. Subsídios de transporte como assistência à procura de emprego para jovens podem também aliviar esta barreira de acesso a mercados de trabalho mais atrativos e normalmente mais distantes de suas residências. Outras medidas mencionadas incluem investimento em vagas prioritárias em creches para permitir que jovens mães e famílias de baixa renda continuem estudando, e para aliviar irmãos mais velhos das obrigações de cuidar dos menores e investimento em programas abrangentes para trabalhadores autônomos.

O leque de opções para responder e transformar a realidade desigual vivida e retratada pelos jovens negros no mercado de trabalho no Brasil é, portanto, amplo, e o Brasil já possui várias experiências interessantes nessa área. Precisamos continuar escutando a juventude negra para implementar essas respostas e, finalmente, agir.

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Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Germán Freire, especialista sênior em desenvolvimento social, Flávia Carbonari, consultora sênior em desenvolvimento social e gênero, Vanessa Nascimento, diretora-executiva do Instituto de Referência Negra Peregum, e Danilo França, professor de sociologia na UFF – Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Afro - Cebrap.

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