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OPINIÃO 12 de agosto de 2021

Deficiências no acesso digital dificultam os avanços na América Latina e Caribe

A crise de COVID-19 prejudicou a região da América Latina e Caribe (ALC) mais do que qualquer outra região do mundo, evidenciando claramente a necessidade de uma recuperação resiliente e inclusiva. A ampliação do acesso digital - em apoio ao ensino à distância, transferências digitais de dinheiro, telemedicina e serviços públicos online - é a pedra angular desta agenda, exigindo ambição em termos de políticas e agenda regulatória  além do aumento dos investimentos em infraestrutura. Esse tema ganha ainda mais importância em um momento em que a região se prepara para os leilões de 5G e continua a ampliar sua cobertura de 4G.

O acesso digital traz benefícios claros. A digitalização aumenta a inclusão social e financeira e também os resultados de aprendizagem e de saúde. Quase metade da população adulta da ALC não tem conta bancária. Mesmo no Brasil, 30% dos adultos ainda não têm contas em instituições financeiras ou junto a prestadores de serviços de transferência de dinheiro via dispositivos móveis. Cerca de 170 milhões de alunos de toda a região foram afetados pelo fechamento das escolas durante a pandemia. Além disso, 71% dos países sofreram interrupções nos serviços de saúde relacionados a doenças não transmissíveis nos primeiros meses da crise de COVID-19.

Os desafios são enormes: a cobertura baixa e desigual, além do preço elevado dos dispositivos e serviços de dados, dificulta o acesso digital.

Hoje, apenas cerca de 52% dos brasileiros (e menos de 50% da toda a população da ALC) têm acesso a conexões fixas de banda larga. Embora cerca de 71% dos brasileiros tenham acesso à internet de alguma forma, há grandes diferenças de acesso entre as áreas urbanas (75%) e rurais (51%).

Os valores dos planos de dados e dispositivos com acesso à internet são inacessíveis para as pessoas pobres da região. Em média, um plano de dados de apenas 1 GB custa o equivalente a 2,7% da renda familiar mensal na ALC (e, em alguns países, representa 8-10% da renda do quintil inferior da população), bem acima do limite de acessibilidade de 2% definido pela União Internacional de Telecomunicações. Embora os planos de dados no Brasil sejam mais acessíveis (em média, 1,3% da renda mensal familiar), ainda representam 8% da renda familiar no quintil mais pobre.

Além disso, os smartfones básicos e mais baratos disponíveis no Brasil custam, em média, cerca de 10,5% da renda familiar mensal. A acessibilidade dos smartfones varia entre 4 e 12% da renda familiar média em grande parte da região da ALC; esse custo, no entanto, sobe para 31-34% da renda mensal média das pessoas na Guatemala e Nicarágua e até 84% da renda das pessoas no Haiti.

Com o peso desproporcional desses encargos sobre as populações vulneráveis, a desigualdade no acesso digital pode acarretar novas formas de desigualdade em uma região que já tem os índices de desigualdade mais altos do mundo.

Como podemos reverter essa situação

O combate à desigualdade digital é uma necessidade urgente e, portanto, exige políticas visando a redução dos custos, ampliação do acesso e incentivo à maior participação do setor privado e dos cidadãos, especialmente em quatro áreas principais.

Primeiro, os governos da ALC devem buscar a inclusão por meio da prestação de serviços e de reformas legais e regulatórias. Essa iniciativa pode incluir a implantação de sistemas básicos de identificação digital para todos os cidadãos, proporcionando acesso seguro e confiável a plataformas públicas e privadas; compartilhamento de infraestruturas entre operadoras de rede e acesso à “fibra escura” pertencente a governos, serviços públicos e outros; aumento da concorrência em um mercado altamente concentrado para estimular a inovação e os investimentos, promovendo o acesso aberto, a neutralidade tecnológica e opções mais seguras; obrigatoriedade de construir redes de 4G e 5G para áreas carentes como condição de outorga de licenças de espectro; e agilização de processos administrativos e de aprovação. Em média, os países da ALC que dispõem de regras claras e previsíveis atraem quase 50% mais investimentos em TIC (e 64% a mais quando o ambiente institucional é positivo).

Segundo, os formuladores de políticas devem considerar incentivos financeiros diretos ou indiretos para clientes e operadoras digitais. Do lado da demanda, subsidiar os custos de internet para os mais pobres e reduzir os impostos e taxas alfandegárias de smartfones, computadores e laptops são medidas que podem ajudar a reduzir preços hoje inacessíveis para os mais pobres. Do lado da oferta, os governos podem lançar mão de concessões de subsídio mínimo ou incentivos fiscais temporários  para incentivar as operadoras a estenderem o serviço para regiões carentes. Outras iniciativas semelhantes também podem estimular as empresas privadas e os investidores a ampliarem outras infraestruturas digitais, como data centers locais. Atualmente, a ALC contabiliza apenas cerca de 4% dos data centers do planeta; estima-se também que a capacidade total dos data centers da região seja inferior à capacidade instalada na Virgínia do Norte, nos Estados Unidos.

Terceiro, um programa ambicioso e capaz de expandir o acesso digital precisará de investimentos públicos e privados, mas tem um preço relativamente baixo. Ao longo da próxima década, estima-se que a universalização do acesso à banda larga na ALC custará 0,12% do PIB anual da região; a implantação de 5G em centros metropolitanos de primeiro e segundo níveis – conforme classificação da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) -  custará 0,17%; e alcançar níveis de conectividade equivalentes aos da OCDE custará 0,62%. No Brasil, o custo da universalização do acesso à banda larga até 2030 é estimado em US$ 11 bilhões (aproximadamente) ao longo da próxima década, um montante relativamente baixo em relação ao PIB nacional. Em uma região que investe pouco em infraestrutura pública, é mais barato preencher a lacuna de infraestrutura digital do que as lacunas de transporte, energia e outros setores de infraestrutura.

Quarto, a expansão digital não deve operar em um silo de conectividade. Medidas complementares, como a formação em competências digitais, precisam ser aceleradas. Apenas 5-15% dos adultos na maioria dos países da ALC detêm competências médias ou altas em informática e resolução de problemas em ambientes ricos em tecnologia (em comparação a 29,7% nos países da OCDE). A capacitação digital traz benefícios para alunos e trabalhadores, mas também para os formuladores de políticas e reguladores que buscam experiência técnica em infraestrutura digital e áreas correlatas (privacidade de dados, cibersegurança, imposto digital, etc.).

A transformação digital é extremamente promissora para a ALC, mas a região precisará concentrar os esforços para usufruir de seus diversos benefícios. As instituições multilaterais podem ajudar.

O Banco Mundial, por exemplo, está ajudando a oferecer conectividade de banda larga a cerca de 1.300  instituições públicas no Haiti; também está auxiliando o Governo da Colômbia com políticas e melhorias regulatórias para ampliar o acesso à banda larga.

A maioria dos países da ALC continuará focada na resposta à pandemia no futuro próximo. Esta é a hora de aproveitar as oportunidades digitais que proporcionarão um futuro mais verde, resiliente e inclusivo para a região.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Franz Drees-Gross, Diretor de Infraestrutura do Banco Mundial para a Região da América Latina e Caribe, e Pepe Zhang, Diretor Associado do Atlantic Council’s Adrienne Arsht Latin America Center e autor de LAC 2025: Three Post-COVID Scenarios.

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