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OPINIÃO 20 de abril de 2021

É preciso uma estratégia sustentável para conter os impactos da COVID sobre a pobreza no Brasil

Há pouco mais de um ano, surgia o primeiro caso de COVID no Brasil.  Números recentes mostram um cenário difícil no pico da pandemia: cerca de 14 milhões de casos e mais de 370.000 mortes colocaram o Brasil no epicentro da pandemia nos últimos dias. Evidentemente, a pandemia causou a perda de muitas vidas humanas. Provocou também a mais dura crise econômica vista no Brasil em mais de 40 anos. Milhões de empregos foram perdidos. A economia caiu 4,1% em 2020. O consumo privado, tipicamente relacionado aos padrões de vida das famílias, apresentou resultados ainda piores.

Uma consequência natural do fraco desempenho econômico é que a população mais vulnerável também acaba perdendo. Durante a última crise no Brasil em 2014/16 (quando a economia caiu mais de 3% em dois anos consecutivos), os 40% mais pobres da população viram a sua renda per capita encolher 3,5% ao ano em termos reais. Esse grupo ainda não havia recuperado os níveis de renda de antes da pandemia. A pobreza (medida com base na linha internacional de pobreza do Banco Mundial para países de renda média alta) atingiu 19,6% da população em 2019, 2 pontos percentuais acima do registrado nos cinco anos anteriores.

Qual o impacto da pandemia nos índices de pobreza do país? Para responder a essa pergunta, devemos analisar a renda familiar. Tradicionalmente, a renda proveniente do trabalho representa grande parte da renda familiar. Com o impacto na economia e o grande número de empregos perdidos, não é de se surpreender que a renda proveniente de trabalho também tenha caído. No entanto, embora as maiores quedas tenham ocorrido por volta de maio, a renda proveniente do trabalho aumentou próximo ao final do ano, quando algumas das restrições sanitárias foram suspensas e as pessoas que estavam em licença não-remunerada por motivos relacionados à COVID, ou que estavam fora do mercado de trabalho, começaram a voltar. No fim das contas, a renda familiar proveniente do trabalho caiu aproximadamente 9,5% em termos reais em 2020.

Em 2020, a renda familiar não proveniente do trabalho recebeu incentivo considerável do governo por meio de um amplo pacote fiscal bastante focado em assistência social, equivalente a surpreendentes 11,4% do PIB. Sem dúvidas, o componente mais importante desse pacote – em termos de pobreza - foi a implementação do Auxílio Emergencial (AE), que beneficiou 47% da população. Para as famílias que estão entre os 20% com menor renda, o AE representou um acréscimo superior a 50% comparado às suas rendas em 2019.

Juntos, esses resultados sugerem que 18,1 milhões de indivíduos possam de fato ter escapado da pobreza em 2020, comparado a 2019. Isso equivale a uma taxa de pobreza pouco abaixo de 11%. Esperava-se que os impactos da COVID diminuíssem a renda per capita das famílias em 2,9% em média. No entanto, as medidas aumentaram a renda em 4%. As nossas estimativas sugerem que a população que se encontra na faixa mais baixa da distribuição de renda possa ter experimentado um grande aumento na sua renda (aproximadamente 41%) devido ao AE.

Lamentavelmente, o cenário da pobreza para 2021 é menos próspero, considerando a grave evolução da pandemia. De fato, espera-se que a economia volte a reagir em 2021. Há estimativas de crescimento na ordem de 3% e, com isso, espera-se que o mercado de trabalho recupere parte do dinamismo perdido em 2020 e impulsione o aumento da renda familiar. Entretanto, o tímido crescimento por si só não será suficiente para recuperar os inúmeros empregos perdidos no ano passado: a renda familiar per capita ainda poderia se manter 1,8% abaixo dos níveis anteriores à pandemia, segundo as nossas projeções. A pobreza poderia chegar a 20% (ou 42,6 milhões de pobres), ligeiramente acima do nível anterior à pandemia.

Mesmo com níveis bem mais baixos de benefícios e duração, o recente lançamento da nova rodada do programa de AE foi necessário para proteger a população mais pobre dentro de um contexto de mobilidade restrita e redução de oportunidades para a geração de renda em decorrência da pandemia. Espera-se que o programa beneficie mais de 40 milhões de pessoas por meio de transferências de quatro parcelas mensais de R$ 250, R$ 375 (para mães solteiras) e R$ 150 (para homens solteiros e sem filhos). Se o programa for implementado aos beneficiários pretendidos de maneira adequada, estimamos que a pobreza poderia voltar a ficar abaixo dos níveis anteriores à pandemia no Brasil, e em cerca de 18,5%. Esse percentual seria equivalente a aproximadamente 3,2 milhões a menos de pobres do que na ausência do programa, ou 1,7 milhões a menos de pobres do que em 2019.

Parece que o Brasil conseguiu escapar dos resultados relacionados à pobreza enfrentados por inúmeros países, mas a conta fiscal a pagar é alta e crescente. Após o relançamento do AE este ano, o governo tem menos espaço para continuar dando suporte à população. O que poderia compensar a defasagem esperada na renda familiar a partir de agosto? O AE foi amplamente reconhecido por preencher as lacunas do sistema de assistência social brasileiro ao oferecer proteção temporária a milhões de trabalhadores informais que não eram beneficiários do Bolsa Família e nem se qualificavam para receber o seguro-desemprego. No entanto, é necessária uma nova estratégia para reaquecer o mercado de trabalho e alavancar oportunidades de trabalho e renda. Trata-se de uma oportunidade para uma ampla reforma dos benefícios sociais, sustentável do ponto de vista fiscal, que possa assegurar a continuidade da assistência para toda a população carente em tempos difíceis. Sem a reforma, os impactos da COVID sobre a pobreza poderiam ser duradouros e atingir uma parcela maior da população brasileira.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Gabriel Lara Ibarra, economista sênior do Banco Mundial

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