Danos causados à infraestrutura pelas enchentes em Pernambuco em 2010. Foto: Antonio Cruz/ABr.
Foi em janeiro de 2011 que o mito de que no Brasil não há desastre foi por terra. Chuvas torrenciais registradas na Região Serrana do Rio de Janeiro provocaram deslizamentos de terra e inundações, deixando um rastro de mais de mil mortos. O ocorrido mostrou a necessidade de priorização da agenda de riscos de desastres que fora, por muito tempo, secundária frente à falta de conhecimento dos reais impactos dos eventos naturais extremos na sociedade e economia brasileiras.
Nesse contexto, o Banco Mundial em parceria com Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC) e a Universidade Federal de Santa Catarina conduziu uma análise detalhada de eventos de desastres passados demostrando a real dimensão do problema: entre 1995 e 2019, o Brasil perdeu em média mensalmente cerca de R$ 1,1 bilhão devido a desastres, ou seja, os prejuízos totais para o período são estimados em cerca de R$ 330 bilhões.
Desse total, 20% são perdas diretas (ou danos), a ampla maioria (59%) no setor de infraestrutura enquanto o de habitação responde por 37%. Já as perdas indiretas (ou prejuízos) correspondem a aproximadamente 80% do valor total dos impactos de desastre no país, mais marcantes na agricultura (R$ 149,8 bilhões) e pecuária (R$ 55,7 bilhões) pelo setor privado e água e transporte (R$ 31,9 bilhões) pelo setor público. Em relação aos impactos humanos, a conta é também significava: 4.065 mortes, 7,4 milhões de pessoas temporária ou permanentemente fora de suas casas devido a danos e mais de 276 milhões de pessoas afetadas.
Para além das perdas humanas e econômicas, as políticas públicas para a promoção de avanços socioeconômicos também podem ter sua eficácia reduzida dado que os eventos de desastres comprovadamente afetam indicadores de saúde, poder de compra, acesso a emprego e renda, educação, dentre outros. Investimentos vitais em infraestruturas críticas, como transportes e habitação, também são massivamente impactados devido a ocorrência de desastres.
Diante deste cenário, surge a inevitável pergunta: por que o Brasil ainda não tem uma política integrada de gestão de riscos de desastres e um Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil? De forma a assegurar os tão necessários avanços, a atual gestão da SEDEC definiu como prioridade a regulamentação da Lei 12.608/2012 que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, bem como a formulação do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil. Tais ações podem configurar um arcabouço legal e de diretrizes que venham a fomentar melhorias estruturais em políticas públicas.
Por exemplo, no setor de habitação pode-se definir protocolos de incorporação de produtos de mapeamento de riscos em decisões de novos investimentos ou mitigação de riscos de desastres em projetos já entregues. No campo do planejamento fiscal, orçamentos mais condizentes com os impactos econômicos de desastres podem ser definidos no exercício de cada ano com vistas a melhor proteger a economia nacional e subnacional.
Por fim, investimentos em infraestruturas críticas (por exemplo transportes, água e saneamento, geração e distribuição de energia) bem como manutenção das mesmas sob a ótica de exposição e vulnerabilidade a perigos naturais podem assegurar a continuidade da operação e de negócios em situações extremas, permitindo que serviços essenciais continuem a ser providos à população e que os impactos indiretos na economia sejam reduzidos.
Dado o aumento da frequência e impactos socioeconômicos dos eventos naturais extremos, existe consenso entre os especialistas que o processo de rápida urbanização favoreceu a criação de um cenário mais propício à ocorrência de desastres devido à ocupação inadequada do solo em áreas com perigos naturais e sem o devido tratamento de obras civis para gestão dos processos naturais.
Ao mesmo tempo que esse processo levou a uma alta exposição de comunidades vulneráveis no território nacional e no momento em que analisamos os impactos da pandemia de COVID-19 em nossa economia e comunidades, não podemos deixar de considerar como os desastres vêm influenciando (negativamente) há muito tempo as políticas públicas em nosso país.
Felizmente avanços na coleta de dados e evidências permite agora que os eventos de desastres e seus impactos estejam sob a luz do conhecimento técnico e em posse dos legisladores, administradores públicos e tomadores de decisões por meio de mapas de riscos, previsão de clima e tempo, modelos de inundações e deslizamentos, bem como fóruns de discussão e projetos de financiamento.
Nesse contexto, fica clara a necessidade de adaptação dos modelos de sucesso de gestão de riscos de desastres observados globalmente às características do Brasil. De forma geral, a extensão do território nacional, modelo federalista de administração pública, histórico de eventos de desastres de menor escala e alta frequência cumulativa, dentre outros, implica na necessidade de definição do papel da União e dos governos estaduais e municipais na agenda.
Assim, é urgente que se integre as questões de gestão de riscos de desastres às amplas políticas de desenvolvimento socioeconômico, tais como programas de habitação, planejamento e expansão urbana, investimentos em infraestruturas críticas, incentivos agropecuários, transferência de renda, entre outros. Adicionalmente, há real oportunidade em se repensar processos de recuperação segundo a ótica de reconstrução melhor (em inglês, Build Back Better) de forma a assegurar que erros do passado não sejam repetidos gerando ou mantendo-se os patamares de riscos de desastres.
Esta coluna foi escrita em colaboração com Frederico Pedroso, especialista em Gestão de Riscos de Desastres do Banco Mundial, Joaquin Toro, especialista líder em Gestão de Riscos de Desastres do Banco Mundial e Rafael Schadeck, engenheiro civil e consultor em Gestão de Riscos de Desastres do Banco Mundial.