Skip to Main Navigation
OPINIÃO 10 de julho de 2020

Como as medidas de proteção social adotadas até o momento podem ajudar as famílias brasileiras a superar a crise econômica motivada pela COVID-19

A população brasileira está enfrentando a COVID-19 em um contexto financeiro já precário devido à crise de 2015-16. Os pobres ainda se recuperavam dessa crise, com a renda dos 40% mais pobres da população abaixo do patamar pré-2015. Além disso, a recuperação da taxa de desemprego tem sido tímida - 12,2% no primeiro trimestre de 2020 em comparação com o pico de 13,7% no primeiro trimestre de 2017.

Adicionalmente, o ônus das dívidas no orçamento das famílias representa 45% da renda familiar, um patamar alto e que reflete o aumento do endividamento não-hipotecário desde 2017. O resultado é que a maioria das famílias brasileiras tem pouca capacidade de absorver mais este choque.

Para entender melhor o efeito sobre a população brasileira, precisamos considerar quais setores perderão renda proveniente do trabalho e como esses choques afetam as famílias. O setor mais afetado é o de serviços, principalmente os que dependem de interações presenciais e onde a possibilidade de trabalho remoto é menor. Os efeitos são ainda mais acentuados entre os trabalhadores de baixa renda nesse setor, com menos chances de trabalhar de casa. As mulheres também têm mais probabilidade de trabalhar em ocupações que exigem interações presenciais.

O Banco Mundial estimou que, de modo geral, esses choques reduzirão os rendimentos de mais de 30 milhões de trabalhadores, e poderiam reduzir a renda familiar em média 9% em nível nacional, com efeitos mais graves nos grupos de baixa e média renda.

O mercado de trabalho brasileiro é dividido entre trabalhadores formais (assalariados, com carteira assinada) e informais, incluindo trabalhadores autônomos. Os salários dos trabalhadores formais são menos “flexíveis”, o que significa que é mais provável que os ajustes aos choques econômicos aconteçam por redução nos postos de emprego (e nas horas de trabalho) do que nos salários em si.

A renda desses trabalhadores é protegida a curto prazo por regras como licença médica e, em caso de demissão, seguro-desemprego (SD), multa rescisória e FGTS. Estimamos que cerca de 80% dos trabalhadores formais do setor privado gozem de proteção salarial equivalente a 3 a 6 meses, graças ao SD, multa e FGTS. Uma vez que, no curto prazo, preservam a renda dos trabalhadores demitidos, estimamos que esses programas limitarão o número de novos pobres (pessoas que vivem com menos de meio salário mínimo) a cerca de 4 milhões a menos do que se os programas não existissem.

O desafio é fazer com que o sistema de seguro desemprego do Brasil dê conta do aumento de novos pedidos, principalmente porque as dependências físicas do Sistema Nacional de Emprego (SINE) ficaram impedidas de funcionar. Muitas agora estão usando sistemas de solicitações online pela primeira vez.

Os esforços do governo durante a pandemia, no entanto, estão concentrados não apenas na manutenção da renda, mas também dos postos de trabalho. A reforma trabalhista de 2017, que regulou o trabalho em meio período, e a MP nº 936/2020, editada no início da crise, introduziram flexibilidades para as empresas dispensarem temporariamente os trabalhadores ou reduzirem as horas de trabalho sem ter que demiti-los.

Um elemento-chave dessa medida foi o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que compensa em parte a renda perdida pelos trabalhadores com a redução do tempo de trabalho remunerado, preservando empregos que podem voltar a ser produtivos depois do relaxamento das medidas de distanciamento social.

O principal desafio, portanto, recai sobre os trabalhadores informais e autônomos, que estão mais expostos a choques de renda e não têm acesso a mecanismos formais de proteção de renda. Para protege-los, o governo (i) ampliou o Programa Bolsa Família para incluir 1,2 milhão de novas famílias que estavam na fila de espera e (ii) introduziu o programa de Auxílio Emergencial (AE) temporário, na forma de uma transferência mensal durante três meses para trabalhadores informais, autônomos e desempregados sem os benefícios do SD, além dos beneficiários do Bolsa Família (BF).

Essa grande medida de assistência pode fazer toda a diferença na forma como as famílias lidam com a pandemia no curto prazo. A introdução do AE e a ampliação do BF representam um aumento da renda dos 40% mais pobres (por exemplo, a família média no BF recebe menos de R$ 200 por mês de benefícios e agora passará a receber de R$ 600 a R$ 1.200 por mês durante três meses). De fato, supondo que as interrupções temporárias no emprego durem 6 meses, esses benefícios têm o potencial de eliminar o aumento esperado da pobreza.

Contudo, existe o risco de que nem todos os beneficiários consigam receber o AE, em vista das dificuldades enfrentadas por pessoas com menos escolaridade e sem acesso à Internet. Segundo estimativas do Banco Mundial, se apenas metade das famílias elegíveis conseguir se cadastrar com sucesso no AE, o número de pessoas pobres pode aumentar em 3 milhões. É importante, portanto, adotar medidas proativas, incluindo atividades de divulgação e meios alternativos de cadastro, para ajudar esses trabalhadores a acessarem o programa.

Até agora, a primeira fase dos esforços do governo teve por foco a preservação da renda dos mais pobres e do maior número possível de empregos durante a pandemia. A segunda fase, já no período de recuperação, deverá facilitar a realocação da força de trabalho, pois a previsão é de que a recuperação do trabalho seja segmentada, com rápidas transformações estruturais (por exemplo, digitalização / mecanização). Esse cenário pode deixar alguns trabalhadores deslocados; em termos de renda, podem precisar de um apoio mais prolongado.

De fato, há discussões em andamento sobre a extensão do AE para além dos três meses inicialmente previstos. Os decisores políticos têm pela frente a difícil tarefa de direcionar essas medidas e encontrar o espaço fiscal necessário para acomodá-las. Considerando-se o tamanho do sistema de proteção social no Brasil de modo geral, essa medida pode ensejar reformas em outros benefícios, como o Abono Salarial ou regimes previdenciários mais generosos.

Além disso, será preciso dar a devida atenção à questão da compatibilidade (em termos de incentivos) dos benefícios temporários em relação ao seguro desemprego - por exemplo, investindo em medidas que obriguem a capacitação ou a busca de emprego durante o período remunerado sem trabalho, de acordo com as melhores práticas internacionais.

Além disso, políticas ativas no mercado de trabalho podem dar aos trabalhadores as habilidades e informações necessárias para se adaptarem a essas mudanças. Esses investimentos podem acabar deixando o sistema de apoio ao mercado de trabalho mais barato no médio prazo.

Considerando-se o número de beneficiários e as medidas de distanciamento social em vigor, as políticas de capacitação e intermediação provavelmente terão que ser oferecidas por meio digital. Nesse sentido, a oferta de acesso à Internet e à alfabetização digital, de forma ampla e financeiramente acessível, será essencial.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Liliana Sousa, economista sênior, e Matteo Morgandi, economista sênior, ambos do Banco Mundial.

Api
Api