REPORTAGEM

América Latina: onde não é possível ser criança em tempo integral

20 de outubro de 2014


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A lei brasileira veta o trabalho antes dos 16 anos

Valter Campanato (ABr.)

Cai o número de crianças que trabalham, mas aprendizagem ainda fica prejudicada

Quem é professor e dá aula à noite sabe da dificuldade de prender a atenção de quem passou o dia trabalhando, sobretudo os alunos adolescentes. A falta de energia se revela não só nos bocejos e olhos semicerrados, mas também no rendimento acadêmico. Quem faz a dupla jornada perde de um trimestre a um semestre de aprendizagem por ano, segundo estudo publicado recentemente pelo Banco Mundial.

Os três autores chegaram a esse resultado depois de analisar o desempenho de 96.170 alunos da rede municipal de São Paulo -- a cidade mais rica da América do Sul – ao longo de três anos. Esses jovens tinham em média 14 anos.

A lei brasileira veta o trabalho antes dos 16, exceto quando o adolescente tem mais de 14 anos e está na condição de aprendiz. Ou seja, é contratado por uma empresa que lhe oferece uma formação técnica, respeita os horários da escola e garante os mesmos direitos de qualquer trabalhador. O contrato dura de um a dois anos.

Os autores não focaram nos aprendizes, mas nos jovens vendedores de rua, lavadores de carro e outras ocupações informais urbanas, que exigem e oferecem pouca qualificação.

Exaustos depois da jornada de trabalho, os rapazes têm:

  • 29% mais chances de faltar à aula (em comparação com os que não trabalham);
  • 10% mais chances de fazer o dever de casa na escola (em cima da hora da aula);
  • 5% mais chances de entregar o dever de casa com atraso.

Entre as meninas, os percentuais são 14%, 10% e 9%, respectivamente. Já as notas em português e matemática podem ser até 7% menores que as dos demais estudantes.

“A diferença nas notas entre quem trabalha e quem só estuda parece pequena, mas é relevante”, enfatiza Portela. Vale lembrar que o Brasil ficou em 58º lugar em matemática na prova Pisa 2012, feita em 65 países.

“E o desempenho desses adolescentes tende a ser pior pelo resto da vida acadêmica. O estudo mostra que, mesmo quando eles deixam de trabalhar, as notas não melhoram”, completa o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Isso quando os jovens continuam na escola: a evasão escolar no Brasil chegou a 24,3% em 2012, de acordo com o Ministério da Educação.

O trabalho infantil, por sua vez, alcançou os menores patamares da história: de 2012 para 2013, houve queda de 15% no número de crianças de 5 a 13 anos, o que representa menos 486 mil crianças trabalhando. A maior parte delas (63,8%) labutava no campo, em atividades perigosas como a olaria e a carvoaria. No entanto, ainda há 3,1 milhões de empregados nessa faixa etária.

Para os autores, programas como o Bolsa Família – que só transferem o benefício aos pais se os filhos frequentarem a escola – são importantes para aumentar a renda do lar, tirar esses jovens do trabalho e incentivar a frequência. “Mas ainda faltam políticas que facilitem e aumentem o aprendizado dessas crianças”, ressalta Portela, economista que estuda o tema há quase 20 anos.



" A diferença nas notas entre quem trabalha e quem só estuda parece pequena, mas é relevante "

André Portela

Professor da Fundação Getúlio Vargas


Novas leis

Além do Brasil, outro país latino-americano que aos poucos vem conseguindo baixar seus índices é o México. O programa Oportunidades, versão mexicana do Bolsa Família, conseguiu reduzir em 8% a quantidade de meninos de 12 a 15 anos que trabalham. O dado vem do informe Trabalho Infantil no México (2012), que reuniu Banco Mundial, Unicef e Organização Mundial do Trabalho.

A experiência do país mostra que é fundamental complementar o programa com medidas específicas para combater o trabalho infantil. Tanto que o país, ao reformar sua lei trabalhista em novembro de 2012, comprometeu-se a desenvolver iniciativas com esse fim. Atualmente, 870 mil pequenos mexicanos ainda trabalham.

Já no Uruguai, onde 90 mil crianças trabalham, muitos pais ainda não percebem isso como algo nocivo, principalmente no campo. Uma análise feita pelo Parlamento apurou: “Embora existam leis, a sociedade não faz nenhuma exigência para implementá-las porque o trabalho ainda faz parte de uma cultura de integração no mundo adulto e produtivo”.

Por isso, com o apoio do Banco Mundial, o Parlamento uruguaio se uniu a outras instituições do governo e a organizações da sociedade civil para criar guias que ajudam a tornar o tema mais visível na sociedade. É o primeiro passo para garantir aos pequenos o direito de brincarem, estudarem e serem crianças em tempo integral.


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