Quem é professor e dá aula à noite sabe da dificuldade de prender a atenção de quem passou o dia trabalhando, sobretudo os alunos adolescentes. A falta de energia se revela não só nos bocejos e olhos semicerrados, mas também no rendimento acadêmico. Quem faz a dupla jornada perde de um trimestre a um semestre de aprendizagem por ano, segundo estudo publicado recentemente pelo Banco Mundial.
Os três autores chegaram a esse resultado depois de analisar o desempenho de 96.170 alunos da rede municipal de São Paulo -- a cidade mais rica da América do Sul – ao longo de três anos. Esses jovens tinham em média 14 anos.
A lei brasileira veta o trabalho antes dos 16, exceto quando o adolescente tem mais de 14 anos e está na condição de aprendiz. Ou seja, é contratado por uma empresa que lhe oferece uma formação técnica, respeita os horários da escola e garante os mesmos direitos de qualquer trabalhador. O contrato dura de um a dois anos.
Os autores não focaram nos aprendizes, mas nos jovens vendedores de rua, lavadores de carro e outras ocupações informais urbanas, que exigem e oferecem pouca qualificação.
Exaustos depois da jornada de trabalho, os rapazes têm:
- 29% mais chances de faltar à aula (em comparação com os que não trabalham);
- 10% mais chances de fazer o dever de casa na escola (em cima da hora da aula);
- 5% mais chances de entregar o dever de casa com atraso.
Entre as meninas, os percentuais são 14%, 10% e 9%, respectivamente. Já as notas em português e matemática podem ser até 7% menores que as dos demais estudantes.
“A diferença nas notas entre quem trabalha e quem só estuda parece pequena, mas é relevante”, enfatiza Portela. Vale lembrar que o Brasil ficou em 58º lugar em matemática na prova Pisa 2012, feita em 65 países.
“E o desempenho desses adolescentes tende a ser pior pelo resto da vida acadêmica. O estudo mostra que, mesmo quando eles deixam de trabalhar, as notas não melhoram”, completa o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Isso quando os jovens continuam na escola: a evasão escolar no Brasil chegou a 24,3% em 2012, de acordo com o Ministério da Educação.
O trabalho infantil, por sua vez, alcançou os menores patamares da história: de 2012 para 2013, houve queda de 15% no número de crianças de 5 a 13 anos, o que representa menos 486 mil crianças trabalhando. A maior parte delas (63,8%) labutava no campo, em atividades perigosas como a olaria e a carvoaria. No entanto, ainda há 3,1 milhões de empregados nessa faixa etária.
Para os autores, programas como o Bolsa Família – que só transferem o benefício aos pais se os filhos frequentarem a escola – são importantes para aumentar a renda do lar, tirar esses jovens do trabalho e incentivar a frequência. “Mas ainda faltam políticas que facilitem e aumentem o aprendizado dessas crianças”, ressalta Portela, economista que estuda o tema há quase 20 anos.