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OPINIÃO15 de fevereiro de 2024

Aprender a viver com o rio

Aumento da resiliência a impactos climáticos no sul do Brasil

Shireen Mahdi
Folha de S. Paulo

O ano passado revelou mais uma vez, e de forma muito clara, o custo humano dos desastres climáticos no Brasil. O ano de 2023 foi o mais quente jamais registrado e resultou em secas históricas na Amazônia e sucessivas ondas de calor em todo o país. No entanto, as inundações na região sul foram os eventos com mais perdas de vidas, com um saldo final de mais de 130 mortes.

Dos desastres registrados no Brasil no ano passado pelo Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais, 81% ocorreram no sul ou sudeste, e a maioria foi relacionada a eventos climáticos. Os impactos — agravados pelos efeitos do El Nino — foram sentidos em toda a região e incluíram os deslizamentos de terra em São Sebastião, no estado de São Paulo, em fevereiro, que mataram 62 pessoas; e as enchentes no Rio Grande do Sul em setembro, que levaram 50 vidas humanas. Trata-se apenas da força incontrolável da natureza, ou pode ser feito mais para aumentar nossa resiliência ao clima?

O impacto dos eventos climáticos no sul do país não é um fato consumado e pode ser superado. Vidas não precisam ser perdidas ano após ano. No entanto, serão necessárias políticas públicas ousadas, investimentos significativos e uma forte liderança local para reverter essa situação. A expectativa, com base em cenários climáticos futuros, é que a intensidade dos eventos extremos aumente na maioria das regiões brasileiras; portanto, a hora de agir é agora.

O Brasil pode recorrer a exemplos de outros países que se adaptaram diante de ameaças climáticas semelhantes. A Holanda, por exemplo, aprendeu, não sem dificuldades, a trabalhar com a natureza e a encontrar maneiras de “abrir espaço para o rio”. Esse é um conceito cunhado pelos holandeses após décadas de repetidas inundações. A principal filosofia por trás da ideia de "espaço para o rio" é restaurar as áreas de várzeas naturais sempre que possível, para proteger áreas habitadas  em outros locais.

Até certo ponto, essa visão já se aplica a algumas das bacias hidrográficas mais vulneráveis do sul, mas ainda precisa ser colocada em prática. O Vale do Itajaí, em Santa Catarina, por exemplo, é uma das áreas mais vulneráveis aos riscos de inundações. Há mais de uma década, a região tem um plano diretor para reduzir tais riscos. Esses investimentos poderiam ajudar a alterar os ciclos de cheias — de poucos anos para meio século. Todavia, as necessidades de investimento são enormes, e serão necessários muitos parceiros de desenvolvimento e uma vontade política significativa para concretizar essa visão.

Além disso, não se trata apenas de operações em grande escala para controlar o fluxo dos rios. É necessário, também, entender como as cidades investem em resiliência localmente, melhorando a drenagem e criando espaços verdes para melhorar o escoamento. Muitas vezes, esses investimentos em nível local podem fazer uma diferença real no curto prazo. Igualmente importante é compreender a dinâmica das bacias hidrográficas e refletir tal dinâmica ao fazer o planejamento de cidades e infraestruturas. Atualmente, muitos prefeitos enfrentam escolhas difíceis sobre como modificar áreas construídas que apresentam riscos demasiadamente altos para permanecerem habitadas.

É impossível impedir completamente os desastres ambientais;  a preparação e o alerta precoce são fundamentais para salvar vidas. Parte disso tem a ver com dados, modelos e previsões de qualidade. No entanto, isso também pressupõe uma comunicação eficaz e um bom engajamento com o público. A Prefeitura de Blumenau, em Santa Catarina, é pioneira nesse sentido, tendo lançado seu aplicativo Alerta Blue em 2015. O aplicativo informa, em tempo real, os níveis dos rios e as previsões meteorológicas a 96 mil usuários locais. Para que o futuro seja mais resiliente, é necessário ampliar iniciativas como essa. No caso dos governos, a preparação também significa encontrar formas de fazer o planejamento prévio do orçamento de forma a garantir a rápida transferência de recursos para as zonas afetadas, e oferecer incentivos para que, em épocas mais tranquilas, as cidades invistam na redução de riscos para eventos futuros.

Em última análise, a responsabilidade de investir num futuro resiliente e promover a adaptação climática deve ser compartilhada por todos nós. Há muitas ferramentas e aprendizados disponíveis, e o Brasil pode construir um futuro resiliente para seus estados do sul com parcerias, cooperação técnica e investimentos.

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Esta coluna foi escrita em colaboração com Jack Campbell, especialista sênior em Gerenciamento de Risco de Desastres do Banco Mundial.

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