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OPINIÃO6 de dezembro de 2023

Violência política e a desinformação de gênero no Brasil

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(Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

Disseminação intencional de informações falsas com o intuito de causar danos é sistematicamente empregada contra mulheres. Prática visa ameaçar, intimidar, silenciar e excluir

Paula Tavares e Gustavo Borges
Para o site Nexo

A conquista de uma paridade de gênero ainda está distante, sobretudo no contexto da política. Conforme os dados do Mapa de Mulheres na Política da IPU-ONU, a média global de representação feminina nos parlamentos é baixa, registrando apenas 26,5%. Além disso, no início de 2023, apenas 27% das nações possuíam uma líder feminina, apesar das mulheres representarem 49,7% da população global.

No Brasil, no que pesem as conquistas alcançadas por movimentos femininos e avanços legislativos em prol da igualdade de gênero, representação de mulheres na política não tem acompanhado. No cenário político nacional, o Senado Federal apresenta pouca participação feminina de 18,5%, enquanto na Câmara dos Deputados esse índice é ainda menor, atingindo apenas 17,7%. De acordo com pesquisa do Instituto Alziras, considerando o âmbito municipal, os números são ainda mais impactantes. As mulheres governam 12% dos municípios do Brasil. Quando se analisam os dados das mulheres negras, o percentual cai para 4%. As regiões com os maiores percentuais de prefeitas mulheres são o Norte (15%) e o Nordeste (17%), enquanto o Sul (9%) e o Sudeste (8%) ocupam as últimas posições.

Esses números não apenas ficam aquém da média mundial, mas também estão significativamente abaixo da representação demográfica equitativa, destacando a urgência de esforços contínuos para promoção da igualdade de gênero na esfera política, em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 das Nações Unidas.

A desigualdade de gênero na política é alimentada, em parte, pela violência política de gênero. Apesar de representarem a minoria da representação política, as mulheres foram vítimas de 36% dos casos de violência política registrados no Brasil entre 2020 e 2022:

A violência contra as mulheres na política é cada vez mais reconhecida em todo o mundo como uma tática emergente para dissuadir a participação política das mulheres, especialmente na sociedade da informação em que as novas tecnologias ampliam a manifestação da liberdade de expressão, mas também multiplicam os riscos e ameaças no ambiente online. Dentre todas as manifestações de violência política, as formas não físicas, como assédio e abuso online, predominam.

A desinformação, que consiste na disseminação intencional de informações falsas com o intuito de causar danos, emerge como um desafio significativo nesse contexto.

A desinformação fundamentada em questões de gênero, portanto, representa uma vertente de violência política de gênero que busca minar a liberdade de expressão e enfraquecer os fundamentos democráticos.

Além de ser uma arma de influência política, a desinformação de gênero é sistematicamente empregada contra mulheres na vida pública. Mesmo aquelas que alcançam votações históricas na vida política são sujeitas a uma variedade de ataques pelo simples fato de serem mulheres. As consequências não se limitam aos prejuízos individuais, acentuando estereótipos sexistas e fomentando atitudes misóginas, de modo a desencorajar as gerações mais jovens de buscar cargos públicos ou ingressar na esfera pública.

Pesquisas demonstram que, no Brasil, 58% das mulheres prefeitas afirmam ter sofrido assédio ou violência política pelo fato de ser mulher, sendo que, destas, apenas a metade registrou queixas ou boletim de ocorrência e cerca de 74% sofreram divulgação de informações falsas, enquanto 66% foram alvo de ataques de discurso de ódio nas plataformas de mídias sociais.

Nos últimos anos, algumas medidas foram tomadas pelo Brasil para mitigar o problema, como a promulgação da Lei Federal 14.192, de 4 de agosto de 2021, que criminaliza a violência política contra a mulher. As eleições de 2022 foram as primeiras após a vigência da lei, contando, inclusive, com uma página dedicada exclusivamente para denúncias de violência política de gênero.

Este cenário reforça a necessidade de um conceito claro de desinformação de gênero, destacando a urgência de medidas concretas para mitigar e prevenir essa forma específica de violência política. No âmbito desse tema, a Relatora Especial das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Opinião e Expressão, Irene Khan, promoveu uma consulta pública, visando reunir perspectivas sobre as relações entre liberdade de expressão e as dimensões de gênero da desinformação.

O desfecho desta consulta encontra-se detalhado no Relatório das Nações Unidas A/78/288, evidenciando que a desinformação de gênero se utiliza de preconceitos, estereótipos, sexismo, misoginia e normas sociais e culturais fundamentadas em valores patriarcais. Essa prática visa ameaçar, intimidar, silenciar e excluir mulheres e indivíduos não conformes com as expectativas de gênero dos espaços públicos e posições de poder. O propósito final da desinformação de gênero é reduzir a participação pública, limitar a diversidade de vozes e opiniões, inclusive na mídia.

Para a construção de um conceito claro de desinformação de gênero, é crucial considerar três atributos fundamentais: conteúdo, objetivo e alvo. O conceito tradicional de desinformação, definido como a disseminação intencional de informações falsas com o intuito de causar danos, revela-se inadequado para abordar de maneira abrangente a complexidade da violência contra as mulheres, conforme discutiremos a seguir.

No que tange ao conteúdo, a desinformação de gênero não se limita apenas à propagação de informações falsas; ela pode incorporar narrativas de gênero preexistentes, manipulando-as e amplificando-as para reafirmar estereótipos e preconceitos arraigados. Quanto ao objetivo, vale salientar que a desinformação de gênero não tem apenas o propósito de causar danos individuais; sua meta é dissuadir ativamente a participação das mulheres na esfera política. No que diz respeito ao alvo, é preciso destacar que a desinformação de gênero se direciona especificamente às mulheres.

Portanto, podemos entender a desinformação de gênero como a disseminação de informações falsas, manipuladas ou amplificadas, que reafirmam estereótipos e preconceitos contra mulheres, com o objetivo de dissuadir ativamente a participação feminina na esfera política, enfraquecendo instituições democráticas e minando a coesão de sociedades inclusivas.

Em última análise, a compreensão do fenômeno da desinformação de gênero oferece não apenas clareza conceitual, mas também uma base sólida para a implementação de estratégias eficazes. Avançar requer a colaboração contínua entre governos, sociedade civil e plataformas de mídia social, visando combater a disseminação de desinformação de gênero e, por consequência, promover ativamente a igualdade de gênero na esfera política.

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Sobre os autores:

Paula Tavares
Global Fellow, Brazil Institute; Especialista Sênior em Direito e Gênero, Banco Mundial

Gustavo Borges
Professor de Direitos Humanos e Novas Tecnologias, Departamento de Direitos Humanos, Unesc, Brasil; Consultor em Direito e Novas Tecnologias

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