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OPINIÃO 29 de junho de 2021

Emprego em crise. Quem sofre mais? Tem que ser assim?

Emprego em crise. Quem sofre mais? Tem que ser assim?

O Emprego está em crise, agora e no futuro próximo. O Brasil sofreu grandes choques econômicos e sociais nos últimos anos que tiveram efeitos significativos sobre os trabalhadores e as empresas. Isso é particularmente grave porque quando se trata de emprego, a ideia de uma recuperação econômica de grandes crises tem sido um mito. Em várias ocasiões essa recuperação levou 10 anos, não só no Brasil, mas também em vários outros países da America Latina. Por quê?

De acordo com o estudo do Banco Mundial, EMPREGO EM CRISE: Trajetória para Melhores Empregos na América Latina Pós-COVID-19, cada crise econômica elimina, de forma duradoura, aproximadamente 4% dos empregos formais no Brasil, um ponto percentual acima da região. A maior parte da recuperação no país se dá por meio do emprego informal que, em média, se expande em 2,4% em resposta a uma crise. Ou seja, após uma crise, o país (e a região) acaba com menos e piores empregos.

A situação se torna mais problemática quando vemos que cerca de 40% dos trimestres entre 1980 e 2019 no Brasil foram períodos de crise (começando no trimestre em que o PIB cai abaixo da média móvel dos quatro-trimestres anteriores e acabando no trimestre em que retoma o nível pré-crise).  As perdas que acumulamos implicam uma taxa de crescimento de longo prazo significativamente mais baixa. A crise da Covid-19 é muito pior que a crise económica média e a contração duradoura do emprego formal pode chegar a 5% no Brasil.

O estudo também demonstra que a pandemia de Covid-19 vem causando maior impacto nos trabalhadores menos qualificados e agravando a já alta desigualdade. Olhando para crises anteriores, vemos que no Brasil, os trabalhadores menos qualificados sofrem com salários mais baixos por dez anos após uma crise enquanto os trabalhadores mais qualificados conseguem uma recuperação em um ou dois anos. Os jovens que entram no mercado de trabalho num ano de crise ficam presos a uma trajetória laboral com menores taxas de participação, maiores taxas de desemprego e maior probabilidade de emprego informal. Para eles, a crise no momento do seu ingresso no mercado laboral é um azar—que dura dez anos!

Mas não tem que ser assim. As políticas certas podem ajudar a limitar o impacto das crises sobre o mercado de trabalho e promover a criação de mais empregos nos períodos de recuperação. Precisamos  aprender com as crises passadas e aproveitar a oportunidade para fortalecer os nossos mercados de trabalho de modo que eles possam lidar com os futuros choques e reverter rapidamente os seus impactos.

A revisão das evidências internacionais aponta para uma resposta política em três dimensões: aumentar a resiliência dos trabalhadores, facilitar a criação de empregos e ajudar os trabalhadores a estarem onde os empregos estão.

A primeira dimensão diz respeito a como aumentar a resiliência dos trabalhadores aos choques econômicos. Muitos países na América Latina não têm seguro-desemprego e, nos países onde ele existe, como o Brasil, é por vezes pouco responsivo aos choques e necessita ser reformado. Além disso, um dos desafios específicos da região, e também do Brasil, é o fato de que grandes segmentos da força de trabalho são informais e, portanto, não estão cobertos pelo seguro-desemprego tradicional.

Isso significa que, em caso de desemprego, muitos trabalhadores pouco qualificados e novos ingressastes no Brasil só podem encontrar alguma proteção no benefício básico do Bolsa Família (se o programa não estiver com fila de espera). Para preencher essa lacuna, países como o Brasil podem gerar programas de curto prazo com  objetivo duplo: apoio à renda e ao reemprego, e dar a esses programas a capacidade de se adaptar rapidamente a condições em permanente mutação. Isso envolve também tornar mais efetivas para os trabalhadores as políticas ativas de mercado de trabalho. Há muita experiência internacional neste campo. Ela mostra a importância de intervenções para renovação da qualificação, assistência ao reemprego, formação em habilidades sócio-emocionais e em habilidades básicas e digitais.

Outro ponto destacado pelo relatório é que a melhor maneira de aumentar a resiliência dos futuros trabalhadores contras choques é assegurar o atingimento do nível de educação médio ou superior. É então urgente aumentar os esforços focalizados para combater o abandono escolar entre os jovens, já alto no Brasil, e que aumentou durante a pandemia.  

Mas proteger os trabalhadores não é suficiente se não houver empregos. Portanto, a segunda dimensão é facilitar a criação de empregos, o que requer empresas produtivas e dinâmicas. Concorrência mais forte, mais flexibilidade para gerenciar recursos humanos e subsídios reduzidos ajudarão. Esse esforço exigirá resolver questões estruturais. Políticas de concorrência, políticas regionais e regulamentações trabalhistas são áreas primordiais para criar um ambiente melhor para empresas dinâmicas e competitivas prosperarem. Se os países como o Brasil não tratarem desses temas fundamentais, as recuperações continuarão sendo caracterizadas pela lentidão na criação de empregos.

Às vezes, porém, os empregos desaparecem de alguns lugares e são criados em outros. Portanto, a terceira dimensão é necessária para ter regiões dinâmicas e ajudar os trabalhadores a estarem onde estão os empregos. Isso envolve, por exemplo, investimento público direcionado ao transporte para aproximar os trabalhadores dos empregos, e apoio à habitação para os mais desfavorecidos nas grandes cidades onde os empregos se encontram, para que o custo de vida não seja proibitivo.

Finalmente, ao nível macroeconômico, políticas fiscais e monetárias sólidas podem preservar a estabilidade e evitar a pressão financeira no sistema como um todo diante de um choque. Reformas fiscais, incluindo um sistema tributário menos distorcido, gastos públicos mais eficientes, programas de aposentadoria financeiramente sustentáveis e regras fiscais claras estão na linha de frente da defesa contra as crises.

A atual crise de emprego poderá ser uma oportunidade para melhorar a gestão de crises na América Latina e no Brasil. Temos que trabalhar para que isso aconteça.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Joana Silva, economista sênior do Banco Mundial.

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