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OPINIÃO 26 de janeiro de 2021

Qual a situação do sistema de controle interno brasileiro?

Um sistema de controle interno sólido é um dos principais pilares do sistema de gestão das finanças públicas e é essencial para melhorar (i) os controles na execução do orçamento e (ii) a qualidade e a transparência das informações fiscais e financeiras. Um estudo recente financiado pelo Banco Mundial e validado pelo Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno (CONACI) apresenta um diagnóstico das capacidades atuais de controle interno dos entes subnacionais participantes (estados e capitais) com base na conformidade com dois padrões e metodologias internacionais de contabilidade e auditoria: o Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO) e o Internal Audit-Capability Model (IA-CM). O relatório analisa os arranjos em vigor nos estados e capitais brasileiros participantes a fim de determinar uma linha de base e identificar planos de ação e reformas específicos para cada um deles, incluindo potenciais fatores políticos, sociais e econômicos associados a um sistema de controle interno efetivo. Os dados individualizados por estado e capital foram apresentados aos controladores em dezembro e serão publicados nas próximas semanas.

As metodologias desenvolvidas pelo Institute of Internal Auditors (IIA) foram usadas em mais de 50 países em todas as regiões e 80% dos participantes no Brasil afirmaram seguir as metodologias internacionais (COSO e IA-CM). O IA-CM identifica os fundamentos necessários para uma auditoria interna efetiva no setor público e avalia a capacidade da organização de realizar auditorias internas, incluindo sua independência. A metodologia é composta por cinco níveis nesta ordem: Inicial, Infraestrutura, Integrado, Gerenciado e Otimizado, sendo o nível 5 o mais alto. Os arranjos são considerados satisfatórios e profissionais quando se atinge o nível 3, onde espera-se um impacto significativo na redução do orçamento e na melhoria da qualidade dos serviços sociais prestados.

Embora o escopo original do estudo pretendesse avaliar todos os municípios brasileiros, a atual pandemia exigiu uma abordagem em fases, cujo foco inicial seriam os estados e suas capitais (alguns estados como Acre, Maranhão, São Paulo e Sergipe não responderam o questionário). Espera-se que o estudo seja complementado por uma segunda fase para o restante dos municípios, logo que as condições permitirem. A metodologia de avaliação baseia-se em um questionário preenchido diretamente pelos órgãos contábeis estaduais e das capitais, cujas informações serão posteriormente revisadas e validadas pelo CONACI.

O Brasil mostra um baixo nível de conformidade em controles internos quando comparado a outros países de baixa e média renda que implementaram as mesmas metodologias, tais como a Indonésia, Croácia, Bulgária ou Malásia. 88% das instituições brasileiras foram classificadas no nível 1 do IACM e 12% no nível 2, o que significa que não há capacidade repetível e sustentável, e os arranjos para a auditoria interna dependem de esforços individuais, as atividades principais são auditorias únicas isoladas ou revisões de documentos e transações para verificar precisão e conformidade. O objetivo no Brasil é atingir o nível 3 até 2024. Comparativamente, a análise conduzida na Malásia revelou que 81% foram classificados no nível 1 e 19% atingiram o nível 2 do IACM. Alguns países, como a Indonésia, usaram fundos fiduciários para financiar o fortalecimento dos controles internos em algumas de suas ilhas mais importantes.

Resultados da avaliação das estruturas estaduais no Brasil

Apesar de 80% dos participantes afirmarem seguir metodologias internacionais (COSO e IA-CM), 88% dos estados estão no nível 1 e os demais no nível 2. Nem as macros funções de controle interno (corregedoria, ouvidoria, integridade e auditoria interna) estão estruturadas ou implantadas em todos os estados. Quase ⅓ dos órgãos não exercem as funções de transparência e corregedoria e aproximadamente ¼ dos órgãos não executam a função de promoção da integridade.

O estudo identificou que apenas 39% dos estados possuem instrumentos normativos que regulamentam conflitos de interesse, o que pode prejudicar o atendimento do interesse coletivo. Além disso, 39% não possuem (e 17% não sabe/não respondeu) instrumentos de acompanhamento da evolução do patrimônio de seus agentes públicos, o que dificulta a captura de situações onde servidores mobilizam seus cargos e influência pública de modo instrumental e inapropriado, com o objetivo de atender objetivos privados de enriquecimento. Quanto à presença de mulheres em posições de chefia nas Unidades Centrais de Controle Interno (UCCI), as estruturas estaduais apresentaram um índice baixo de 13%.

Dos cinco componentes analisados, o melhor desempenho foi do “Informação e Comunicação”. Os que merecem mais atenção, apesar de um bom desempenho geral, são “Ambiente de Controle” e “Monitoramento”, que apresentam maior variação quanto à maturidade.

Resultados das estruturas nas capitais brasileiras

Com respeito às capitais dos estados que participaram no estudo, quase ⅓ das UCCI delas não integraram as macro funções de corregedoria e de ouvidoria, dificultando a consolidação do ciclo completo do controle nas UCCIs (prevenção, detecção, apuração, sanção e monitoramento). Aproximadamente ⅔ das capitais não possuem meios/mecanismos consensuais de resolução de conflitos. Em apenas duas capitais a unidade controlada participa do planejamento de todas as auditorias executadas. E quase ⅓ das UCCIs não instauram investigações para apurar responsabilidades em caso de fraudes/desvios.

Há vedação regulatória de práticas de nepotismo em mais de 90% das capitais participantes, mas apenas 20% delas regulamentam conflitos de interesse e acompanham a evolução patrimonial dos agentes públicos. Além disso, quase metade das capitais não regulamentaram a Lei Anticorrupção. 36% dos(as) responsáveis pelas UCCIs são mulheres.

Também para o grupo das capitais o componente “Informação e Comunicação” é o que apresenta melhor desempenho, e os menores desempenhos médios ficam com “Ambiente de Controle” e “Monitoramento”.

Apesar de mais de 95% das UCCIs das capitais estarem inseridas no primeiro escalão da administração, aproximadamente ⅕ das UCCIs das capitais não possuem acesso irrestrito aos documentos e informações necessárias à realização das atividades, e apenas 13% já realizavam teletrabalho antes da pandemia de Covid-19.

O controle interno é um elemento crítico na gestão das finanças públicas. Desde que o Banco Mundial e o CONACI deram início à sua parceria em 2014, estima-se que as reformas apoiadas por ambos tenham economizado 25 bilhões de reais em nível federal e mais de 300 milhões em alguns estados e municípios. Os resultados desse estudo darão apoio ao trabalho do CONACI de modernizar o sistema de controle interno brasileiro e melhorar a capacidade institucional das entidades de controle para impulsionar seu desempenho e controlar melhor o dinheiro dos contribuintes.

 

Esta coluna foi escrita em colaboração com Susana Amaral, especialista sênior em gerenciamento financeiro do Banco Mundial no Brasil.

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