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OPINIÃO 20 de novembro de 2020

O impacto de longo prazo da COVID-19 no Capital Humano

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Em escola do Rio de Janeiro, antes do fechamento devido à pandemia de COVID-19, crianças lavam as mãos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil. 

 

Poucos entraves são mais críticos para o desenvolvimento sustentável e mitigação da pobreza no Brasil do que a quantidade de talento humano inexplorado. Independentemente da região analisada, da matéria discutida, ou do período em questão, a conclusão é quase invariavelmente a mesma: o Brasil desperdiça grande parte de seu potencial produtivo geração atrás de geração. Em relatório recente, a OCDE mostrou que são necessárias nove gerações para um brasileiro de família pobre alcançar a renda equivalente à da classe média – a terceira menor mobilidade intergeracional dos 30 países analisados no estudo. Apenas a Colômbia, com onze, possui mobilidade menor que a do Brasil. A concentração de renda por tanto permanece historicamente elevada. No livro “Uma História da Desigualdade”, Pedro de Souza mostra que, entre 1926 até 2013, os 1% mais ricos representaram 25% da renda nacional. Há anos relativamente melhores e outros piores, mas nunca nos distanciamos desta marca.

No contexto da pandemia da COVID-19, nos perguntamos inevitavelmente como estes números serão afetados. Será possível retomar uma redução de desigualdade e crescimento econômico?  No curto prazo, a COVID-19 provocou queda do PIB brasileiro, aumento do desemprego e do nível de preços, assim como da pobreza e da violência. Porém, mesmo absolutamente relevantes, não são estes fatores que fazem esta crise diferente das anteriores.

Esta crise é particular porque afeta diretamente a formação de capital humano a longo prazo. Quando famílias sucumbem à insegurança alimentar, são as crianças que terão a nutrição comprometida em um estágio crucial de desenvolvimento. Quando as escolas permanecem fechadas, o acesso desigual às aulas a distância e conectividade intensificará discrepâncias no aprendizado. A evasão e abandono escolar tendem também a aumentar, especialmente para os mais vulneráveis. Quando há isolamento e desgaste psicológico, são elas que têm o florescimento de habilidades socioemocionais minado. A pandemia é tudo isso ao mesmo tempo. Ela impacta diretamente os principais ingredientes na formação de capital humano das crianças.

Para aprofundar a discussão em questões como essa, o Banco Mundial lançou, em 2018, o Projeto de Capital Humano. A proposta é trazer uma medida de produtividade comparável entre países, além de incentivar a sociedade a priorizar investimentos na formação de habilidades das pessoas. Com este intuito, o Indicador de Capital Humano calcula a produtividade esperada de uma criança nascida hoje aos 18 anos de idade se as circunstâncias atuais de saúde e educação forem mantidas. O indicador compara as condições atuais com um cenário hipotético “adequado” onde mortalidade infantil e adulta (entre 18 e 64 anos) são zero e 100% das crianças alcançam ao menos desempenho adequado de acordo com o PISA. Assim, este é um indicador prospectivo: foca-se no que acontecerá com a produtividade futura caso as condições atuais prevaleçam.

O Indicador de Capital Humano estima que uma criança nascida no Brasil em 2019 atingirá, em média, apenas 55% de seu potencial produtivo na vida adulta, um número próximo da média global (56%). Muito abaixo de países como Chile (65.1%), Peru (60.5%) e Colombia (60.4%). Se saúde e educação tivessem a qualidade adequada, cada brasileiro poderia ter uma renda per capita 82% maior da que possui atualmente.

Além disso, temos muitos “Brasis” coexistindo dentro do Brasil. Cidades no interior de São Paulo alcançam indicadores de capital humano parecidos aos da França. Já cidades no interior do Nordeste se aproximam do nível africano (por volta de 45% da produtividade potencial). Avaliações do Banco Mundial indicam que até 60% desta variabilidade é explicada pela qualidade da educação, enquanto fatores de saúde ganham em relevância para cidades nas regiões Sul e Sudeste.

A pergunta, portanto, é como a COVID19 vai afetar este cenário no longo prazo. Por este motivo, o Banco Mundial está desenvolvendo um relatório institucional focado justamente na formação de Capital Humano Brasileiro. Além de mapear as discrepâncias regionais e municipais, analisar a evolução da produtividade na última década, documentar a utilização efetiva do capital humano no âmbito laboral, e desagregar o indicador por gênero e raça, busca-se identificar os gargalos que restringem o aumento da produtividade no Brasil. E mais que isso: apresenta qual será a pobreza futura caso não priorizemos a formação básica de habilidades.

A pandemia da COVID-19 traz a possibilidade real de que ganhos recentes sejam revertidos. E esta preocupação soma-se aos desafios já existentes para aumentar o capital humano no Brasil antes mesmo da pandemia. Por isso, é fundamental focar no impacto de longo prazo da COVID19 e não só nos efeitos imediatos.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Ildo Lautharte, economista do Banco Mundial especializado em educação, e Pablo Acosta, coordenador do programa de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial no Brasil.

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