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OPINIÃO 22 de setembro de 2020

Reforma Administrativa: Equidade para o Brasil e os funcionários públicos

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Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Foto: Mariana Kaipper Ceratti/Banco Mundial.

A proposta de reforma administrativa apresentada ao Congresso recentemente é muito relevante já que atingirá as novas gerações de servidores. Ela afeta a folha de pagamento, o segundo maior gasto do governo depois da previdência, e representa uma oportunidade para valorizar os bons servidores e ajudar a melhorar os serviços públicos. Contudo, é fundamental que o debate que começa seja informado por dados e evidências, e seja uma oportunidade de reforçar o princípio da equidade para reduzir as disparidades com o resto da sociedade brasileira e entre os próprios servidores.

O Banco Mundial analisou os dados do funcionalismo público brasileiro e mostrou que há espaço para eliminar distorções, tanto na parte fiscal como na de gestão de recursos humanos. Na parte fiscal, os dados mostram importantes desigualdades entre os funcionários públicos e o resto da sociedade. Por exemplo, 54% dos trabalhadores do setor público em todos os níveis estão entre os 20% com maior renda e existe um amplo prêmio salarial no setor público (ganho em relação a pessoas com características e empregos similares na iniciativa privada), principalmente no governo federal e nos estados que chega a 97% e 36%, respectivamente. O prêmio salarial dos funcionários públicos federais chega a 35,7% quando comparado a pessoas em funções similares entre as 500 maiores e melhores empresas segundo a revista Exame. Mas esse prêmio se distribui de forma heterogênea, e os servidores municipais, por exemplo, não têm prêmio salarial.

Da mesma forma, existem desigualdades importantes dentro do próprio funcionalismo que atingem certas categorias. Os servidores federais e estaduais com características semelhantes nos mesmos cargos, têm remunerações 103% e 25% superiores a seus pares no nível municipal. A diferença entre os poderes é ainda maior, os dados dizem que o judiciário e legislativo pagam 145% e 66% a mais que os seus pares no executivo. Carreiras que não têm contrapartida em outros poderes, como juízes, não foram utilizadas na comparação. Nessa linha, apesar de deixar carreiras importantes de fora, a proposta de reforma administrativa é um avanço ao incluir na sua abrangência os servidores dos três poderes e das três esferas da federação, por exemplo, eliminando o adicional por tempo de serviço - já extinto no governo federal mas presente na maioria dos estados - ou igualando o tempo máximo de férias a 30 dias para os novos funcionários.  Um outro passo promissor para eliminar desigualdades é a proposta de reforma da própria Câmara dos Deputados que faz uma revisão dos salários iniciais de suas carreiras, entre outros. 

As distorções na gestão dos recursos humanos no Brasil também afetam os servidores e criam desigualdades entre as distintas categorias e poderes. Por exemplo, a análise de micro-dados do governo federal identificou que a remuneração por desempenho, quando acontece, paga praticamente a todo mundo o mesmo valor, sem nenhuma diferenciação. Então, para aquele servidor que está trabalhando bem ou até fazendo esforço adicional, o sistema não é justo, porque ele não está sendo valorizado, o que desincentiva o esforço no futuro. Igualmente, nas carreiras de elite os desincentivos aos bons funcionários para assumirem cargos de liderança é ainda maior. Por causa dos altos salários iniciais, as compensações por assumir um cargo de liderança se tornam uma fração muito pequena da renda total e não são grandes o suficiente para compensar o acréscimo em responsabilidade que assumir cargos de liderança exige.

No âmbito federal, existem mais de 300 carreiras e 117 tabelas salarias que fazem parte de um sistema com pouca mobilidade para atender a novas demandas, o que dificulta a gestão pública. O Brasil mantém uma estrutura administrativa muito rígida, que não permite aos bons servidores se desenvolver da melhor forma. A experiência internacional mostra que menos carreiras e tabelas salariais como nos Estados Unidos, Reino Unido, ou Portugal - todos países que têm menos de 30 carreiras e uma única tabela salarial -pode ajudar tanto na gestão e transparência, como no tratamento mais equitativo entre funcionários. O sistema brasileiro também não permite atender às demandas cambiantes da sociedade de forma ágil e a experiência internacional pode ser uma referência. A França, por exemplo, aprovou recentemente uma reforma que, entre outras coisas, permite contratações de professionais até por 6 anos para atender demandas pontuais. Algo similar ocorre na Alemanha, Irlanda, Itália, Reino Unido e Suécia, onde pelo menos 60% dos funcionários são contratados por um regime contratual semelhante ao do setor privado.

O  princípio da equidade não significa tratar a todos do mesmo jeito. Significa valorizar aqueles com melhor desempenho. Fazer a administração pública mais equitativa trará benefícios para os servidores e a sociedade em termos de melhores serviços públicos. A reforma administrativa no congresso é um grande passo nessa direção e vai precisar de apoio constante na implementação. Uma vez aprovada, será preciso concentrar os esforços em definir aspectos como gestão de desempenho, diretrizes de carreiras, gratificações, e estruturas das carreiras e remunerações, entre outros. O princípio da equidade, os aprendizados da experiência internacional e a base em evidências devem ser aspectos chaves nessa definição.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Daniel Ortega Nieto, especialista sênior do Banco Mundial para o setor público, e Paulo Antonacci, consultor do Banco Mundial no Brasil.

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