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REPORTAGEM11 de novembro de 2024

Reforço da capacidade de resiliência das comunidades na luta contra a pobreza em Angola por meio de transferências de monetários

The World Bank

Fátima exibe o feijão que colheu da sua lavra .  

Foto: Wilson Piassa/Banco Mundial

A manhã de nevoeiro e o frio intenso que se fazia sentir na vila do Seles, no Kwanza Sul, era um desafio para quem quisesse sair de casa. No entanto, estas barreiras naturais não impediram Fátima Domingas, viúva de 38 anos e mãe de cinco filhos, de procurar ajuda no Centro Integrado de Ação Social (CASI) para obter os documentos de identificação dos seus filhos. Apesar de um direito constitucional todos os cidadãos angolanos (com mais de 6 anos de idade) terem um documento, muitos ainda não o têm. A luta diária para sustentar os seus filhos tinha deixado Fátima sem tempo para os obter.

A sorte de Fátima mudou quando foi selecionada como beneficiária do Programa Kwenda. O Kwenda, o primeiro programa de transferência de dinheiro de Angola, faz parte do Projeto de Fortalecimento do Sistema Nacional de Proteção Social e é financiado pelo Banco Mundial com 320 milhões de dólares e 100 milhões de dólares do Governo de Angola. É implementado pelo FAS/Instituto de Desenvolvimento Local do governo (FAS-IDL) e tem como objetivo atingir 1,6 milhões de agregados familiares pobres em todo o país. Cerca de 70% dos beneficiários das transferências monetárias são mulheres. A Avaliação da Pobreza do Banco Mundial estima que a taxa de pobreza em Angola é de quase 33%, ou seja, 10,1 milhões de angolanos.

Quer se trate de apoiar serviços relacionados com o capital humano, tais como documentos de  identidade e educação (como no caso de Fátima e dos seus filhos) ou de criar ou expandir uma fonte segura de rendimento, os beneficiários do Kwenda que entrevistámos disseram-nos que o programa mudou as suas vidas, para melhor.

Com o apoio do Programa Kwenda, a vida de Fátima deu uma volta positiva. Ao longo de dois ciclos de pagamento, ela conseguiu comprar artigos domésticos essenciais e começar a sua própria lavra. Esta independência recém-descoberta reduziu a sua dependência de biscates, e os alimentos que produziu na sua lavra melhoraram significativamente as condições de vida da sua família. Estas mudanças incutem esperança num futuro melhor, demonstrando o poder transformador do Kwenda.

Sou viúva e mãe solteira dos meus filhos. Antes de ter a minha própria lavra, não tinha dias de folga e costumava procurar biscates todos os dias para garantir que a minha família tivesse algo para comer. No entanto, nos dias em que não encontrava trabalho, tínhamos de ir para a cama com fome. Não tinha tempo para pensar em mais nada. Os meus filhos não tinham documentos de identificação, mas eu nada podia fazer. Felizmente, com a ajuda e o apoio que recebi do Kwenda, consegui ganhar alguma independência. É por isso que hoje pude vir aqui com os meus filhos para obter os seus documentos de identificação e quando formos para casa teremos algo para comer.” - Fátima Domingos

Os benefícios da lavra de Fátima vão para além de ser um meio de subsistência; permite que os seus filhos se concentrem na sua educação. Laura Ventura, que tem 15 anos e é a filha mais velha de Fátima, já não tem de acompanhar a mãe na procura de biscates. Isto permitiu-a reacender o sonho de ser enfermeira. Da mesma forma, o seu irmão mais novo, Gerónimo Ventura, de 10 anos, aspira a ser professor. Os documentos de identidade são essenciais para os alunos que transitam para o ensino secundário, pois sem eles não podem ser emitidos certificados escolares. Por isso, a assistência que os filhos de Fátima recebem através do CASI é um passo importante para os ajudar a realizar os seus sonhos.

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Fátima Domingos e quatro dos seus filhos mostram as suas certidões de nascimento recentemente obtidas.

O impacto das transferências monetárias no combate à fome

Com uma criança às costas, Regina Nhambimbe, de 22 anos, mãe de três filhos, da aldeia de Sailundo Novo, no município do Bailundo, a 560 km de Luanda, prepara a refeição da noite. Longe vão os dias em que se sentava triste e chorava às escondidas por não poder dar uma alimentação adequada aos seus filhos. Tudo mudou quando os investimentos que fez no seu campo de cultivo com o dinheiro que recebeu de Kwenda deram frutos. Com o primeiro pagamento, comprou um colchão e uma mesa com cadeiras. Investiu o resto na compra de sementes e na expansão da sua lavra, onde plantou batatas, feijão e milho. Para a colheita prevista para o quarto trimestre de 2024, Regina planeia levar toda a sua produção para os mercados de Luanda para obter um dividendo ainda maior. Com o dinheiro que ganhará com a sua produção, planeia comprar bens de Luanda que levará para o mercado do Bailundo para obter algum lucro. O comércio será a sua nova aposta, diversificando assim a sua fonte de rendimento para além da agricultura.

O meu marido tem outra família e vive noutro bairro. Não vem cá sempre e, quando vem, normalmente não traz nada, por isso trabalho muito para não passarmos fome. Este ano a chuva foi boa e os meus campos produziram muito bem.” - Regina Nhambimbe

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Regina Nhambimbe à porta da sua casa com os seus três filhos. Foto: Wilson Piassa/Banco Mundial

A diferença no número de refeições que os agregados familiares pobres consomem diariamente é um dos indicadores mais notórios entre os beneficiários do Kwenda depois de receberem o seu pagamento, em comparação com o que acontecia antes. Por exemplo, nas comunidades que já beneficiaram dos pagamentos, como a de Regina, os agregados familiares fazem mais refeições do que aqueles que estão à espera que os pagamentos cheguem às suas comunidades. Esta é a realidade encontrada no bairro de Fátima Calomete, na vila do Bailundo, onde muitos agregados familiares pobres ainda enfrentavam dificuldades diariamente para se alimentar.

O impacto da inserção de iniciativas de inclusão produtiva nas transferências monetárias

Rosélia Navenda, 42 anos, mãe de seis filhos, Inês Nachitembo, 50 anos, mãe de 7 filhos, e Precinta Nhaca, 47 anos, mãe de 8 filhos, são exemplos de como a inclusão produtiva tem vindo a mudar a vida das mulheres chefes de família em Angola. Os seus agregados familiares têm agora três refeições diversificadas e equilibradas por dia, graças ao rendimento que ganham com a agricultura. As três mulheres são membros da Associação do Banco de Sementes da Aldeia Nikila, no município do Andulo, que conta com 52 membros, 30 dos quais são mulheres. No início, cada membro recebeu oito quilos de feijão, que plantou nos seus campos. Embora os seus produtos tenham sido afectados pela seca, a produção das suas culturas foi satisfatória. Na altura da colheita, Rosélia ficou com 70 kg, Inês com 101 kg e Precinta com 80 kg. Cada uma das senhoras devolveu 16 kg da sua colheita ao banco de sementes, para que mais membros da comunidade pudessem beneficiar do seu rendimento.

Os membros da associação estavam conscientes de que não deviam vender ou consumir toda a sua colheita. Assim, em vez de oito quilos, as mulheres triplicaram a quantidade de sementes a serem plantadas, aumentando assim o tamanho dos campos. Na segunda colheita, os resultados foram ainda melhores do que na primeira.

“Com os 101 kg que obtive da primeira colheita, vendi 20 kg, plantei 20 kg, devolvi 16 kg ao banco de sementes e guardei 20 kg para consumo. Enviei 25 kg de sementes para os meus familiares em Benguela para eles plantarem nos seus campos. Na segunda colheita, obtive um rendimento de 400 kg. Vendi parte da produção e usei o dinheiro para comprar colchões, cadeiras e uma mesa, e para melhorar a casa. Também comprei uma mota com a minha irmã, que também é beneficiária do Kwenda. Agora, alarguei mais o meu campo e espero ter uma colheita ainda maior em novembro. Dois dos meus filhos mais velhos estão a frequentar a universidade no Kuito e um está na escola primária aqui”. - Inês Nachitembo  

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Inês Nachitembo (de camisola cinzenta) com três dos seus sete filhos. Foto: Wilson Piassa/Banco Mundial

A matemática do desenvolvimento é impressionante. O Banco de Sementes da Associação Nikila, que começou com um stock inicial de 400 kg de sementes de feijão fornecidas pelo Kwenda, no final da primeira colheita teve um retorno de mais de 600 kg. No segundo ano, o total foi de 2.005 kg de sementes de feijão. Com este grande stock, os membros puderam aceder a quantidades de sementes de acordo com as suas próprias necessidades e a força da lavoura. Alguns obtiveram até 50 kg de sementes. À medida que o banco de sementes foi crescendo, os aldeões que não são membros da associação também puderam aceder ao crédito de sementes, tornando assim o banco de sementes um recurso de apoio para toda a aldeia e não apenas para os membros da associação.

Embora a agricultura seja a principal atividade económica nas áreas visitadas, os beneficiários do Kwenda demonstraram criatividade ao implementar outras iniciativas geradoras de rendimento.

Na comuna de Calucinga, encontrámos um grupo de homens, mulheres e adolescentes que estavam ativamente envolvidos na escavação de um grande lago na margem de um riacho. Fazem parte da Associação Muda Meu Mundo, constituída por 30 beneficiários do Kwenda que decidiram juntar o dinheiro que receberam para se dedicarem à criação e venda de peixe, para além da agricultura. Atualmente, a associação tem dois tanques de 300m2 onde criam peixe há seis meses. Em dezembro do ano passado, a associação vendeu quase 1,5 toneladas de peixe aos residentes locais durante a época festiva.

Em 2021, as minhas filhas, o meu genro e eu tivemos a ideia deste projeto de piscicultura. No entanto, faltavam-nos os fundos para construir os tanques, comprar peixes e ração. Felizmente, com o apoio do Kwenda, conseguimos dar o pontapé de saída para o projeto. Convidámos os nossos vizinhos e familiares da aldeia para se juntarem a nós e o resultado é o que se vê aqui. Também recebemos formação sobre cooperativismo e trabalho de equipa. Atualmente, cada membro tem um pequeno tanque de peixes na sua horta. Os tanques que vêem aqui são propriedade da cooperativa e os membros reúnem-se uma vez por semana para trabalhar neles”, disse Francisca Kussessiya, 69 anos, presidente da cooperativa.

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Francisca Kussessiya, da cooperativa de piscicultura, em frente a um dos tanques. Foto: Wilson Piassa/Banco Mundial

"Estas histórias demonstram a relevância e o papel transformador dos investimentos em proteção social em Angola. No entanto, para que o país realize plenamente o potencial da proteção social, é fundamental que esses investimentos sejam de longo prazo e também que investimentos complementares essenciais sejam feitos em setores relacionados, incluindo capital humano, inclusão financeira e digitalização”, diz Boban Varghese Paul, líder da equipe de tarefas do Banco Mundial para o projeto.

O Programa Kwenda já beneficiou 1 milhão de agregados familiares em 64 municípios em 196 comunas, em 8.396 bairros e aldeias de Angola.

“O Kwenda é um excelente exemplo de como o Banco Mundial está a apoiar a mudança transformadora em Angola. O Banco Mundial aprovou recentemente uma nova fase de financiamento para consolidar e aprofundar estes impactos nos beneficiários do Kwenda “, diz Juan Carlos Alvarez, Representante do Banco Mundial para Angola.

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