Skip to Main Navigation

Capítulo 4 . Empréstimos durante e após a recuperação

Quando as dificuldades físicas mais agudas da pandemia de Covid-19 começarem a se dissipar, o rápido retorno a uma economia saudável dependerá de instituições que forneçam crédito a famílias e empresas. Embora a maioria dos credores não tenha enfrentado desafios de liquidez relacionados à pandemia, eles preveem um aumento nos empréstimos inadimplentes (NPLs) relacionados às contínuas dificuldades econômicas vivenciadas por empresas e famílias. As atuais turbulências econômicas causadas pela pandemia, a imprevisibilidade de sua duração e a falta de clareza sobre seus impactos de longo prazo para os mutuários restringem a capacidade dos credores de conceder novos empréstimos. Muitas das intervenções que visam a apoiar famílias e empresas em dificuldades também tornaram mais difícil compreender a situação econômica atual dos mutuários e sua capacidade de arcar com novas dívidas. Quando os credores não conseguem projetar a trajetória geral da atividade econômica, eles tendem a restringir seus padrões de crédito e emitir menos crédito novo. Uma análise das pesquisas trimestrais dos bancos centrais sobre as condições de crédito em economias selecionadas de renda baixa, média e alta constatou que, entre as economias sobre as quais havia pesquisas disponíveis, a maioria observou vários trimestres de restrição de crédito desde o início da crise (figura 4.1).

Figura 4.1 Tendências das condições de crédito, por grupo de renda do país, 2018–2021 (por trimestre)



Fonte: Cálculos da equipe do RDM 2022, com base em dados de relatórios de pesquisas dos bancos centrais de 38 países, publicados ou acessados até 15 de dezembro de 2021: Albânia, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Chipre, República Tcheca, Estônia, França, Alemanha, Gana, Grécia, Hungria, Índia, Indonésia, Irlanda, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, México, Países Baixos, Macedônia do Norte, Filipinas, Polônia, Portugal, Romênia, Federação Russa, Sérvia, Espanha, Tailândia, Turquia, Uganda, Ucrânia, Reino Unido, Estados Unidos e Zâmbia.

Observação: A figura apresenta a porcentagem líquida de países nos quais os bancos relataram uma variação nas condições gerais de crédito em pesquisas trimestrais das equipes de crédito dos bancos centrais ou em pesquisas sobre as condições de crédito. A porcentagem líquida é a diferença entre o número de países que relataram uma flexibilização geral das condições de crédito e o número de países que relataram em enrijecimento geral das condições de crédito em relação ao trimestre anterior. Um valor percentual líquido negativo indica um enrijecimento geral das condições de crédito na amostra de mercados. Nos casos do Chile, Japão, México, Polônia, Rússia, Estados Unidos e Zâmbia, as condições gerais de crédito foram estimadas a partir de um índice de condições de crédito relatadas nos segmentos de negócios e consumo

Em um contexto de padrões de crédito mais rígidos, apenas os mutuários com menor risco têm acesso ao crédito. Isso pode criar um círculo vicioso no qual uma redução generalizada no crédito, inclusive para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), que compõem a maioria das empresas na maioria das economias, força muitas delas a sair do mercado antes que possam se recuperar e impulsionar o crescimento. O resultado pode ser um efeito dominó, pois a aceleração das falências de empresas eleva os níveis de inadimplência e faz com que os credores enrijeçam ainda mais os padrões de crédito.

Por outro lado, se os credores puderem gerenciar efetivamente os riscos atrelados aos empréstimos para apoiar empresas e famílias, eles podem desencadear um círculo virtuoso no qual o crédito apoie investimentos e gastos que, por sua vez, ajudariam a impulsionar a recuperação. Para conseguir isso, os credores devem adaptar os modelos de subscrição ao ambiente pandêmico e adotar inovações que se beneficiem de novos dados e ferramentas digitais. 

Os credores podem começar reavaliando e atualizando seus modelos de pontuação de setores e mutuários com base em informações atualizadas sobre a atividade econômica por setor ou área geográfica, de forma a capturar os problemas estruturais causados pela pandemia. A renegociação dos modelos de crédito é um primeiro passo fundamental, que pode ser apoiado e incentivado pelos órgãos de supervisão. A escala e a duração da crise provavelmente exigirão que os credores continuem atualizando os dados de benchmarking.

As soluções baseadas em dados e produtos que aumentem a visibilidade da capacidade de pagamento dos mutuários e melhorem as soluções recursais em caso de inadimplência podem ajudar os credores a medir e gerenciar riscos para que o crédito possa dar sustentação ao círculo virtuoso de recuperação econômica. Essas inovações relacionadas aos empréstimos geralmente são impulsionadas por tecnologias e foram viabilizadas pela aceleração da digitalização durante a pandemia em todas as partes da economia, bem como pelos esforços de transformação digital das instituições financeiras, que, em geral, precederam a Covid-19, mas se reforçaram durante a pandemia.

Dados alternativos e concepção de produtos para melhorar a visibilidade e os recursos

Devido às dificuldades econômicas causadas pela pandemia, os históricos de empréstimos e pagamentos disponíveis nos relatórios de crédito tradicionais tornaram-se menos úteis. Enquanto isso, dados alternativos, como registros de transações de compras, renda, vendas, pedidos, estoque, pagamentos de contas, impostos, registros judiciais e perfis em redes sociais tornaram-se indicadores úteis da capacidade ou disposição dos mutuários de pagar suas dívidas. Devido à digitalização acelerada, esses dados estão se tornando mais prontamente disponíveis a partir de provedores financeiros, operadoras de telefonia celular e outros prestadores de serviços públicos, empresas tradicionais, plataformas on-line e governos. Esses dados, juntamente com os modelos de crédito atualizados que os incorporam, têm se demonstrado indicadores eficazes de solvênciai.

Um credor que tem demonstrado o valor dos dados alternativos é a Konfío — uma instituição financeira digital que oferece crédito a MPMEs e utiliza faturas eletrônicas e dados alternativos para complementar as informações de crédito tradicionais. A Konfío adaptou seu algoritmo de crédito nos primeiros meses da pandemia para integrar dados granulares sobre os impactos da Covid-19 nas pequenas empresas no México, o que lhe permitiu dobrar seus empréstimos durante a pandemia. 

O modelo do produto pode melhorar a visibilidade, bem como as opções de recursos em caso de inadimplência. Os produtos projetados para acomodar empréstimos de curto-prazo, por exemplo, limitam o risco reduzindo os valores do empréstimo e os prazos de pagamento para o período sobre o qual o credor tem percepções razoáveis. Outra opção é acomodar formas não tradicionais de garantia, como a penhora de bens móveis ou gravames sobre fluxos de caixa futuros, para atender aos mutuários que não disponham de garantias tradicionais, ou cujo valor de garantia tenha se tornado incerto durante a pandemia.

As finanças contextuais constituem outra abordagem para aumentar a visibilidade e os recursos. O financiamento de capital de giro no âmbito de uma cadeia de produção, ou embutido no fluxo de trabalho de uma transação comercial, vincula o crédito a uma relação comercial existente, bem como a uma atividade econômica subjacente e a seus dados associados. O financiamento integrado está sendo usado em plataformas de comércio eletrônico, logística e gerenciamento de estoque. Um exemplo é o financiamento para pequenas e médias empresas que vendem em plataformas de comércio eletrônico, em que os dados das plataformas sobre padrões de vendas de comerciantes, estoques e histórico de satisfação dos clientes são usados para subscrever os empréstimos. Outro exemplo são as plataformas de logística eletrônica que fornecem capital de giro pré-viagem para motoristas de caminhão com base no histórico de entregas e na receita esperada dos motoristas. O financiamento integrado tem escopo para reduzir o custo dos empréstimos por meio de eficiências de processo e recursos aprimorados, como a reserva automática de uma parte da receita dos mutuários por meio da plataforma para pagar empréstimos.

Garantias de crédito para gerenciamento dos riscos de crédito

O seguro contra perdas pode ajudar a restaurar o crescimento do crédito quando a visibilidade e os recursos suficientes não puderem ser alcançados por meio das inovações que acabamos de descrever. Garantias de crédito dão aos credores o direito de recorrer ao fiador em caso de inadimplência do mutuário. Esses instrumentos podem ser oferecidos por governos, bancos de desenvolvimento ou doadores para promover empréstimos a segmentos prioritários em que o financiamento seja dificultado por falhas de mercado, como é o caso das pequenas empresas. As garantias têm sido um componente da resposta à pandemia em países de renda alta e em várias economias emergentes, e os mecanismos de garantia parcial podem continuar a desempenhar um papel importante na recuperação. Por exemplo, em Burkina Faso, o Banco Mundial ajudou o governo a criar um programa de garantia de crédito com foco em empréstimos reestruturados e de capital de giro para pequenas e médias empresas que enfrentavam dificuldades durante a crise da Covid-19, mas com potencial de lucratividade no longo prazo. Esses programas devem ser planejados cuidadosamente para que sejam sustentáveis. À medida que as condições econômicas melhorarem, os fiadores e seus credores parceiros poderão restringir progressivamente a elegibilidade àqueles setores ou segmentos de clientes que mais necessitarem, e os programas de garantia poderão ser alavancados para reduzir o risco associado a investimentos de longo prazo, apoiar a criação de empregos e redirecionar fluxos financeiros para atividades de baixo carbono. 

Políticas para incentivar inovações seguras

A inovação financeira tem o potencial de apoiar o acesso responsável ao financiamento, mas inovações não supervisionadas podem representar riscos para os consumidores e para a estabilidade e integridade financeiras. Os governos e órgãos reguladores devem modernizar seus marcos de políticas públicas para equilibrar os imperativos, às vezes conflitantes, de encorajar a inovação responsável e, ao mesmo tempo, proteger os consumidores e a estabilidade e integridade do setor financeiro. Abordagens regulatórias e de supervisão atualizadas devem buscar reconhecer e permitir a entrada no mercado de novos fornecedores e a introdução de novos produtos, além de inovações no uso de dados e análises; melhorar a educação financeira e as políticas e regras de proteção ao consumidor no que diz respeito ao que os provedores de financiamento podem e não podem oferecer; e facilitar a colaboração entre os órgãos reguladores e as autoridades governamentais que supervisionam aspectos de finanças digitais e integradas, bem como a concorrência e a conduta do mercado, de forma a evitar lacunas regulatórias entre órgãos com sobreposição de poderes. As políticas devem apoiar a modernização da infraestrutura financeira para facilitar a resiliência operacional e o acesso. Isso inclui a infraestrutura "pesada", relacionada às redes de telecomunicações, redes de pagamentos, centros de dados, agências de crédito e registros de garantias; e a infraestrutura "leve", relacionada às políticas e procedimentos que ditam padrões, acesso e regras de engajamento. Essas respostas de políticas públicas às transformações digitais podem ajudar a estimular um setor financeiro mais robusto, inovador e inclusivo.