A pandemia do COVID-19 drenou as finanças públicas de muitos países ao redor do mundo e deixou os governos com dificuldades para manter a luta contra a pobreza. Mas pesquisas sugerem que os governos podem apoiar mais os pobres por meio da reestruturação dos atuais sistemas de tributos e gastos – e que esse movimento não precisa colocar ainda mais pressão nos cofres públicos
Muitos governos tomaram medidas ousadas para proteger suas economias e seus cidadãos contra os impactos profundos e multidimensionais da pandemia de COVID-19. Entre as medidas estão transferências monetárias, incentivos fiscais e garantias para empréstimos.
Globalmente, os programas emergenciais custaram mais de 3 trilhões de dólares em 2020-2021. O gasto governamental com esses pacotes de resposta fiscal variou entre 1.1 por cento do PIB no Oriente Médio e Norte da África a 7.4 por cento na América do Norte.
Dois anos após o início da recuperação econômica, os países agora têm mais margem de manobra para voltar a analisar as suas finanças. Ao fazê-lo, é fundamental que adotem políticas que aumentem a renda dos pobres e vulneráveis.
De fato, de acordo com o mais recente Macro Poverty Outlook do Banco Mundial, a taxa de pobreza (o percentual de pessoas que ganham menos de 6,85 dólares por dia) era mais elevada em 2022 do que em 2019 em 46 países, 10 dos quais de baixa renda. No Sul da Ásia, por exemplo, a taxa média de pobreza entre países aumentou 4,5 pontos percentuais. As projeções para a África Subsariana sugerem que a pobreza aumentou 0,6 pontos percentuais. Globalmente, entre os países analisados, havia 4,5 milhões a mais de pessoas pobres em 2022 do que antes da pandemia.
Infelizmente, nesta conjuntura de maior necessidade de apoio, os governos estão fiscalmente mais limitados do que antes da pandemia. Estima-se que a dívida pública como proporção do PIB seja mais elevada em 2022 do que durante os três anos anteriores à pandemia e é provável que siga a tendência observada no período 2019-2021, quando globalmente aumentou de 84,1 para 95,7 por cento.
Como podem os países continuar apoiando os pobres e combatendo a desigualdade se os cofres já não são o que eram? A análise da incidência fiscal (AIF) pode ajudar a responder a esta questão.
O que é a análise de incidência fiscal (AIF)?
A AIF é um método que permite ter uma visão global dos impactos das políticas que afetam o rendimento das famílias, como os tributos e as transferências governamentais. Ela decompõe os efeitos de cada política e, fundamentalmente, mostra se elas contribuem para melhorar ou piorar os indicadores de pobreza e desigualdade da sociedade.
Este objetivo é alcançado comparando-se a concentração da carga de uma política nos diferentes grupos de renda. De um modo geral, se os mais ricos pagam uma parcela maior do montante total pago em impostos do que os mais pobres, dizemos que o tributo é progressivo. Se, ao contrário, os mais pobres pagam uma parcela relativamente mais elevada, o tributo pode ser considerado regressivo, uma vez que ele gera uma maior desigualdade.
Essa classificação dos tributos e das transferências permite comparar as políticas em termos da redução dos hiatos de renda. Pode ainda determinar quais grupos estão em melhor situação por conta do sistema fiscal e quais estão em pior situação.
O caso do Brasil: uma mistura de políticas regressivas e progressivas
O Brasil sofreu uma queda histórica de 3,3 por cento do PIB em 2020. No mesmo ano, o pacote emergencial criado para mitigar os efeitos do COVID-19 custou o equivalente a 3,8 por cento do PIB. E em 2022, a dívida pública como proporção do PIB era de 72,9 por cento. Isso torna o país um caso interessante a ser analisado.
As políticas fiscais são onipresentes na vida dos brasileiros. O bem-estar dos cidadãos está profundamente ligado ao imposto de renda, às aposentadorias, às transferências monetárias através do mundialmente conhecido programa Bolsa Família, aos impostos indiretos e às despesas do governo com os sistemas de saúde e de educação.
Mais de 23% da população brasileira ganha menos de 6,85 dólares por dia (a linha de pobreza do Banco Mundial para as economias de renda média alta) e o país tem um dos níveis mais elevados de desigualdade de renda do mundo (como mostrado pelo seu índice de Gini). Portanto, o Brasil tem muito a ganhar com a reestruturação da forma como obtém suas receitas e como direciona suas despesas.
Uma análise de incidência fiscal recente mostra que, em geral, o sistema fiscal brasileiro reduzia a pobreza e a desigualdade em 2019. Mas as políticas individuais tinham efeitos muito diferentes.
Os impostos indiretos eram os maiores responsáveis pelo aumento da pobreza. São os impostos que incidem sobre o consumo de bens e serviços como o IVA e que são geralmente neutros ou regressivos com relação à renda. As transferências diretas como o Bolsa Família, por outro lado, tinham o maior impacto na redução da pobreza e mais do que compensavam os efeitos adversos dos impostos indiretos.
Enquanto isso, políticas como o Abono Salarial, um bônus salarial para trabalhadores com baixos salários, e o Salário Família, um subsídio salarial para famílias com filhos, são muito menos progressivas do que intervenções como o Bolsa Família e o BPC, uma transferência para idosos com baixa renda e pessoas com deficiência.
Notadamente, no entanto, as taxas de pobreza aumentam entre crianças e adolescentes (de 0 a 15 anos) uma vez que todas as políticas fiscais são levadas em consideração.
Melhorando a efetividade dos sistemas fiscais – sem gastar mais
Há certamente espaço para melhorias quando se trata de reduzir a desigualdade no Brasil através do seu sistema fiscal. E isso não implica necessariamente que o governo tenha um orçamento maior.
Reformas amplas podem ampliar a eficiência do sistema fiscal de forma a promover a igualdade e sem exigir uma mudança no orçamento geral. Uma abordagem sugerida é agrupar as múltiplas transferências monetárias como o Abono Salarial e o Salário Família num programa único e mais direcionado. Estudos também sugerem que a adoção de uma taxa fixa de IVA poderia, por exemplo, aumentar o poder de compra das famílias brasileiras. Os impactos esperados de tal reforma estrutural são, portanto, positivos para os consumidores e os benefícios seriam maiores para os mais pobres do que para os mais ricos.
Graças à expansão dos programas sociais e à recuperação econômica, a taxa de pobreza no Brasil em 2022 já estava abaixo do seu nível pré-pandemia (uma redução de 2,7 pontos percentuais). Embora esse progresso deva ser comemorado, é possível fazer mais. No Brasil, 50,1 milhões de pessoas ainda são consideradas pobres.
O novo desenho do Bolsa Família em 2023 é um passo na direção certa. Inclui um benefício adicional por criança. A recente aprovação no Congresso brasileiro de uma reforma dos impostos sobre o consumo que visa simplificar o sistema fiscal sem reduzir as receitas tributárias é também um passo sólido na direção de um sistema fiscal mais equitativo.
É importante notar que essas são medidas que podem trazer enormes benefícios para os mais necessitados. Os formuladores de políticas públicas devem, portanto, continuar avaliando as alavancas fiscais e buscando políticas complementares que melhorem ainda mais a eficiência do sistema fiscal.
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