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OPINIÃO 13 de dezembro de 2021

Corrupção: com a palavra, os servidores públicos

Com a proximidade do Dia Internacional Contra a Corrupção, celebrado no último dia 9 de dezembro, queremos mais uma vez lançar luz sobre a necessidade de produção de dados que auxiliem no desenvolvimento de políticas para combate à corrupção.

Atos antiéticos como desvio de recursos públicos, conflito de interesse ou deixar de cumprir regras, parecem não nos surpreender mais. Na perspectiva do cidadão, no entanto, corrupção é inaceitável, não somente pelo impacto negativo no desenvolvimento econômico e na confiança das instituições, mas também porque esses impactos negativos são ainda maiores nos grupos mais vulneráveis da sociedade. 

A corrupção é multifacetada e complexa, e muitas vezes envolve agentes públicos. Infelizmente, sabemos muito pouco sobre a perspectiva dos próprios servidores, suas experiências e percepções sobre a corrupção no Brasil. Ouvir a perspectiva dos servidores permite entender o impacto das normas na prática, combater a corrupção e, consequentemente, guiar a reformulação do arcabouço legal anticorrupção adaptando-o às práticas cotidianas.

A Pesquisa sobre Ética e Corrupção no Serviço Público Federal, liderada pelo Banco Mundial e a Controladoria Geral da União (CGU), oferece uma perspectiva da corrupção no serviço público, sob a ótica do servidor. Um total de 22 mil servidores públicos federais, distribuídos entre todos os entes federativos responderam à pesquisa. Entre os achados, se destaca que 58,7% dos servidores públicos federais entrevistados já observaram alguma prática antiética em seu tempo de serviço no setor público. O que mais nos mostram as novas evidências e como podemos fortalecer o combate à corrupção? 

Segundo a pesquisa, nos últimos três anos (abril 2018 a abril 2021), ao redor de um terço dos servidores (33,4%) presenciaram algum ato antiético no Brasil. As práticas mais frequentes estão relacionadas ao uso da posição para ajudar amigos ou familiares e deixar de seguir as regras por pressão de superiores. Denunciar atos de corrupção não é fácil, já que alguns atos deste tipo não deixam rastro e é difícil comprová-los. No país, 51,7% dos servidores públicos não se sentem seguros para denunciar uma conduta ilícita, ainda que o Estatuto do Servidor Público estipule a obrigação do servidor de denunciar este tipo de ato. Somente um terço dos entrevistados que relatou haver observado um ato antiético declarou ter denunciado. Entre os principais desafios enfrentados pelos servidores se destacam a falta de proteção (59,7%) e a complexidade do processo para denunciar (35,9%).

Um sinal positivo é o fato de que ter acesso a programas de integridade está relacionado a um menor sentimento de insegurança ao denunciar. 68% dos respondentes que afirmam haver sido treinados em um programa de integridade relatam sentir-se seguros ao denunciar. Porém, somente 31,3% dos servidores relataram ter sido treinados no programa de integridade em sua organização. Apenas 36% dos servidores públicos afirmam que seus dirigentes fomentam regularmente o programa de integridade. É fundamental aprimorar os treinamentos para esclarecer e facilitar a denúncia de atos antiéticos. As lideranças devem continuar a apoiar programas que promovem uma cultura de integridade.

Além de perguntas sobre experiências diretas com corrupção, a pesquisa também avaliou a percepção das práticas antiéticas durante a crise da Covid-19. Durante a pandemia, 55,9% dos servidores afirmam que permaneceram igual ou aumentaram as práticas como interferência política e 50,6% relataram aumento nos conflitos de interesse entre os serviços público e privado. 22,4% dos servidores afirmam que aumentaram as decisões sobre contratação e compras feitas com pouca transparência e sem prestação de contas e 22,2%, o lobby entre os setores público e privado.

Apesar destes enormes desafios, a maior parte dos servidores concorda, total ou parcialmente, que as normas e regulamentos de sua organização são devidamente transparentes (61,6%) e rigorosamente cumpridas (68,7%). Com relação à gestão de recursos humanos, uma parcela dos servidores expressa uma opinião positiva, com 35,1% considerando-o transparente e 23,1%, meritocrático. Apesar disso, servidores ainda expressam preocupação com relação à influência de conexões políticas e amizades no sistema de promoção de carreiras.

Estas novas evidências sobre experiências e percepções são fundamentais para aprimorar as políticas anticorrupção. Como acontece em muitos países do mundo, o fortalecimento do arcabouço legal contra a corrupção não é suficiente. Não adianta ter legislação sem uma implementação adequada. Por isso, escutar a opinião dos servidores públicos, gerando novas evidências para formular ou aprimorar políticas públicas pode prover novas informações sobre áreas de atuação relevantes. 

O maior perigo é que a corrupção se torne rotineira e deixe de nos surpreender ao ponto de que seja aceita como um acontecimento comum. Todo tipo de corrupção nos afeta e é inaceitável. Não existe corrupção grande ou pequena. Por isso, esforços que ajudem a combatê-la são sempre bem-vindos.

 

Esta coluna foi escrita em colaboração com os colegas do Banco Mundial Daniel Ortega Nieto, especialista sênior em Governança, e Galileu Kim, consultor. 

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