REPORTAGEM

Mulher Moçambicana Abre o Caminho para uma Nova Geração de Engenheiros Africanos

14 de dezembro de 2015

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Odete Muximpua, a primeira mulher engenheira de Moçambique com um mestrado: ““Achei que a gestão dos recursos hídricos era um desafio no meu país e em todo o mundo. Percebi que se tratava de um recurso escasso e pensei que era aí que eu podia ter um papel decisivo”.

© Odete Muximpua

DESTAQUES DO ARTIGO
  • A moçambicana Odete Muximpua tornou-se, recentemente, a primeira mulher engenheira do país com um Mestrado
  • É desproporcionada a falta de acesso das mulheres ao ensino superior e Moçambique está atrás de outros países da África Subsariana relativamente a matrículas nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM).
  • A Parceria para Competências em Ciências Aplicadas, Engenharia e Tecnologia (PASET) visa ajudar a aumentar o acesso ao ensino superior nas disciplinas STEM.

QUELIMANE, 14 de Dezembro de 2015 – Odete Muximpua está habituada a ser pioneira. Criada na pequena cidade costeira de Quelimane pela mãe e pela avó, é a primeira pessoa da sua família a ir para a faculdade. Este ano, também se tornou a primeira mulher do país com um mestrado em engenharia.

As mulheres sofrem desproporcionadamente de falta de acesso ao ensino superior em Moçambique. Segundo a UNESCO, em 2011 a taxa bruta de matrículas de mulheres no ensino superior era de apenas 3.73%. Embora esta situação esteja presente nos países da África Subsariana, Moçambique está particularmente atrás no que toca à matrícula de mulheres assim como da generalidade de jovens nas disciplinas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).

Muximpua concluiu o ensino secundário com elevada classificação. Lembra-se de, a seguir, ter estado hesitante até ao último minuto quanto à escolha do curso de engenharia.  

“Aqui em Moçambique, são muito poucas as mulheres que seguem engenharia. A maioria das universitárias vai para ciências sociais ou medicina”, disse.

As matrículas no ensino terciário em África estão fortemente centradas em humanidades e ciências sociais, com apenas 25% dos estudantes a optarem pelas áreas de STEM. Entres os que o fazem, são poucas as mulheres. É este desequilíbrio que o PASET, uma parceria liderada por África para promover o ensino das Ciências Aplicadas, Engenharia e Tecnologia, está a tentar corrigir. O PASET tem por objectivo criar uma capacidade científica e técnica em África através de iniciativas, como por exemplo o fundo regional para bolsas de estudo e inovação (scholarship and innovation fund) e a avaliação dos programas ASET em instituições.

"Precisamos da ciência e da tecnologia para resolver os problemas de África em agricultura, energia, saúde, infra-estruturas e desafios como as alterações climáticas”, disse Sajitha Bashir, Gestor de Práticas de Educação do Banco Mundial para a África Austral e Oriental. “Isto torna as iniciativas, como a PASET, um elemento fundamental para os governos africanos que, agora, reconhecem a importância de apoiar o ensino da ciência e da tecnologia no continente”.

Com o incentivo da sua professora de matemática, Muximpua decidiu estudar engenharia civil e candidatou-se à Universidade Eduardo Mondlane em Maputo, a maior e mais antiga universidade de Moçambique. Passou com distinção o exame nacional de admissão e, em 2000, era uma de apenas cinco mulheres numa turma de 55 alunos.  

Acabou por ser a única mulher na sua turma quando terminou o curso, tendo as outras abandonado o curso ou não o tendo concluído no tempo certo.

“Os rapazes respeitavam-me imenso”, disse ela. “Tornei-me a melhor da turma, o que me deu bastante poder”!

No terceiro ano da universidade, Muximpua tinha a possibilidade de escolher estudar hidráulica ou construção, a opção favorita entre os estudantes de engenharia. Ela foi a única da turma a especializar-se em hidráulica.

“Achei que a gestão dos recursos hídricos era um desafio no meu país e no mundo inteiro”, disse Muximpua. “Compreendi que era um recurso escasso e pensei que era onde eu podia ter um papel decisivo”.

Ajudar as comunidades a criarem soluções inovadoras

Em 2004, após ter concluído o bacharelato, Muximpua começou a trabalhar como investigadora na sua universidade. Estudou o uso sustentável dos recursos hídricos nas zonas húmidas e o melhoramento do abastecimento comunitário de água. Começou também a realizar projectos destinados a ajudar as comunidades locais.

Um dos seus primeiros projectos foi na área do saneamento. Durante gerações, os agregados familiares em Maputo esvaziavam manualmente as suas latrinas e enterravam os dejectos nos quintais. À medida que a população da cidade se adensava, esta prática passou a representar um risco para a saúde pública. Muximpua e a sua equipa ajudaram o Conselho Municipal a desenvolver um modelo de negócio para a administração de resíduos fecais e ela deu formação a operadores privados assim como às autoridades locais. Agora, a cidade tem oito operadores privados que, de forma segura, esvaziam e transportam os dejectos para estações de tratamento.

Muximpua também deu formação a líderes comunitários, muitos dos quais nunca tinham frequentado a escola, relativamente ao uso do novo sistema.

“Sabia que, sendo uma mulher, seria um desafio em algumas áreas”, admitiu Muximpua. “Mas eu estava preparada. Quando os encontrei, fui humilde, não agi com superioridade. Disse-lhes que estava lá para ajudar”.

Os líderes comunitários tornaram-se fundamentais para o sucesso do projecto. Com o seu incentivo, as famílias locais concordaram em investir na melhoria das instalações.

“Sinto que, aqui, as vidas das pessoas estão agora a melhorar”, diz Odete.

Em 2007, Muximpua viu um anúncio no jornal local que a levaria a um novo percurso profissional. O Banco Mundial estava à procura de um analista para prestar assistência no trabalho sobre a estratégia nacional urbana de Moçambique para a água e saneamento. Odete candidatou-se e ficou com o lugar. Foi, enquanto trabalhava no Banco, que voltou à universidade para iniciar o Mestrado.

O sucesso académico de Muximpua inspirou a mãe dela, que só tinha feito o ensino secundário, a voltar a estudar. Está actualmente a trabalhar na sua licenciatura. Ela e a avó de Muximpua, que só fez o quarto ano do ensino primário, estão muitíssimo orgulhosas dela.

“Ser mulher e engenheira, poder melhorar as vidas de algumas pessoas, é o que me faz feliz”, disse Muximpua. “Ouvem as pessoas contar como as ajudei relativamente à água e saneamento e sentem-se orgulhosas”.

Dar resposta à escassez de capital humano de Moçambique

Se bem que o número de instituições do ensino superior em Moçambique tenha disparado de três para 48 a partir de 1992, os níveis de ensino e investigação continuam baixos. Enquanto 123 800 alunos estavam matriculados em instituições de ensino superior em Moçambique em 2014, apenas 24% dos seus professores tinham um mestrado.

Em Abril de 2015, o Banco Mundial aprovou um montante adicional de USD 45 milhões para o financiamento do Projecto de Ensino Superior, Ciência e Tecnologia de Moçambique que edifica a capacidade de Moçambique em ensino técnico e profissional. Este financiamento tem por base um projecto anterior, que ajudou a elevar o número de licenciados do ensino superior em Moçambique de

7 000 para 11 000 de 2008 a 2015. No mesmo período, houve mais 150 mestrados na área de STEM e em agricultura.

"Hoje em dia, África tem a maior proporção de alunos universitários a estudar no estrangeiro” afirmou Bashir. "O exemplo de Muximpua mostra que, quando se dá aos alunos a oportunidade de adquirir uma educação de qualidade no seu país, eles podem ter um impacto real nas suas comunidades".


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