As noites do sertão nordestino costumam ser silenciosas. Mas não em Cruzeta, cidade a 220km de Natal, no Rio Grande do Norte. Diariamente, a partir das 19h, um casarão no centro da cidade é tomado pelos primeiros acordes de 60 jovens músicos e musicistas.
Com vocês, senhoras e senhores, a Orquestra Filarmônica de Cruzeta!
Depois do aquecimento, eles passeiam por algumas das obras mais conhecidas da música brasileira, dos autênticos forrós de Luiz Gonzaga (1912-1989) aos sucessos do pop rock atual. É um repertório extremamente dançante, mas executado com o rigor e a técnica que convêm a uma orquestra.
Volta e meia, o maestro Humberto Carlos Dantas, mais conhecido como Bembém, para tudo, dá bronca, corrige, orienta. À frente do grupo desde 1988, quando tinha apenas 19 anos, o regente autodidata igualmente elogia.
Também se preocupa com o futuro dos pequenos artistas (a menor tem 7 anos), todos vindos da zona rural, numa região pobre, em que crack e outras drogas já viraram ameaça.
“Quando eu era mais jovem, músico era considerado malandro. As pessoas convidavam meus colegas para tocar nas festas e achavam que eles faziam isso de graça, só pela cerveja. Nunca aceitem essa condição”, aconselha. “Sei que vocês conseguirão ser profissionais de ponta, na música ou em qualquer área.”
Ele não exagera. Já na terceira geração de integrantes, o grupo – fundado há 27 anos – formou 50 artistas que hoje estão tocando em bandas profissionais, ensinando nas universidades do estado ou regendo orquestras em outras cidades potiguares.
“Meu irmão mais velho, por exemplo, está se formando e já é considerado um dos melhores músicos do estado. Sempre o vi participando dos ensaios e quis seguir o caminho dele”, lembra a clarinetista Aline Trajano, 11 anos, na banda há quatro.
Mais do que isso, o grupo mostra que a música pode dar sustento a quem vive dela. “Hoje movimentamos R$ 2 milhões por ano entre cachês de apresentações e salários dos músicos que são nossos ex-alunos. Investir em música é gerar renda e desenvolvimento”, analisa o maestro.
A banda foi uma das beneficiadas por um projeto – executado entre 2002 e 2010 – que apoiou orquestras filarmônicas em 43 cidades de todo o estado. Por meio da iniciativa, foi possível financiar instrumentos musicais e aulas para os participantes dessas aulas.
“Essa foi uma demanda surgida entre as próprias comunidades do sertão”, lembra Fátima Amazonas, gerente do projeto no Banco Mundial. “Para a população jovem, as bandas trouxeram não só a possibilidade de geração de renda, mas também desenvolvimento educacional e cultural”, completa.