REPORTAGEM

No Brasil, a música é um verdadeiro instrumento contra a pobreza

20 de janeiro de 2014


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O grupo, fundado há 27 anos, já formou 50 artistas que tocam em bandas profissionais, ensinam nas universidades do Rio Grande do Norte e regem orquestras. 

Mariana Ceratti/Banco Mundial

DESTAQUES DO ARTIGO
  • Em uma das áreas mais pobres do país, uma orquestra filarmônica gera R$ 2 milhões por ano em salários e outras receitas

As noites do sertão nordestino costumam ser silenciosas. Mas não em Cruzeta, cidade a 220km de Natal, no Rio Grande do Norte. Diariamente, a partir das 19h, um casarão no centro da cidade é tomado pelos primeiros acordes de 60 jovens músicos e musicistas.

Com vocês, senhoras e senhores, a Orquestra Filarmônica de Cruzeta!

Depois do aquecimento, eles passeiam por algumas das obras mais conhecidas da música brasileira, dos autênticos forrós de Luiz Gonzaga (1912-1989) aos sucessos do pop rock atual. É um repertório extremamente dançante, mas executado com o rigor e a técnica que convêm a uma orquestra.

Volta e meia, o maestro Humberto Carlos Dantas, mais conhecido como Bembém, para tudo, dá bronca, corrige, orienta. À frente do grupo desde 1988, quando tinha apenas 19 anos, o regente autodidata igualmente elogia.

Também se preocupa com o futuro dos pequenos artistas (a menor tem 7 anos), todos vindos da zona rural, numa região pobre, em que crack e outras drogas já viraram ameaça.

“Quando eu era mais jovem, músico era considerado malandro. As pessoas convidavam meus colegas para tocar nas festas e achavam que eles faziam isso de graça, só pela cerveja. Nunca aceitem essa condição”, aconselha. “Sei que vocês conseguirão ser profissionais de ponta, na música ou em qualquer área.”

Ele não exagera. Já na terceira geração de integrantes, o grupo – fundado há 27 anos – formou 50 artistas que hoje estão tocando em bandas profissionais, ensinando nas universidades do estado ou regendo orquestras em outras cidades potiguares.

“Meu irmão mais velho, por exemplo, está se formando e já é considerado um dos melhores músicos do estado. Sempre o vi participando dos ensaios e quis seguir o caminho dele”, lembra a clarinetista Aline Trajano, 11 anos, na banda há quatro.

Mais do que isso, o grupo mostra que a música pode dar sustento a quem vive dela. “Hoje movimentamos R$ 2 milhões por ano entre cachês de apresentações e salários dos músicos que são nossos ex-alunos. Investir em música é gerar renda e desenvolvimento”, analisa o maestro.

A banda foi uma das beneficiadas por um projeto – executado entre 2002 e 2010 – que apoiou orquestras filarmônicas em 43 cidades de todo o estado. Por meio da iniciativa, foi possível financiar instrumentos musicais e aulas para os participantes dessas aulas.

“Essa foi uma demanda surgida entre as próprias comunidades do sertão”, lembra Fátima Amazonas, gerente do projeto no Banco Mundial. “Para a população jovem, as bandas trouxeram não só a possibilidade de geração de renda, mas também desenvolvimento educacional e cultural”, completa. 


" As pessoas que não conhecem a nossa cultura precisam entrar no mundo da música, pois vão descobrir ritmos que nem imaginavam curtir. "

Edjarde Silva

Trompetista da Banda Filarmônica de Cruzeta

Músicas redescobertas

Existe a possibilidade de mais bandas – ainda não se sabe quantas, nem em que modelo –receberem essa força agora que o Banco e o governo do Rio Grande do Norte fecharam um novo projeto para beneficiar a 1 milhão de pessoas.

“Seria muito bom se o apoio chegasse às 67 cidades que ainda não contam com uma banda filarmônica, embora o estado tenha uma tradição nisso”, avalia o maestro Bembém.

Tradição que começou ainda na época da colonização portuguesa, quando bandas eram formadas para tocar em eventos religiosos e militares. Peças inteiras eram escritas para essas ocasiões e queimadas pelos parentes quando os compositores morriam. 

“O pessoal de antigamente não dava o menor valor”, lembra o regente, cuja família teve três compositores. “Só um deles, Tonheca Dantas, teve as obras mais bem preservadas porque era da Polícia Militar, que guardava melhor seus documentos.”

As obras de Tonheca Dantas (1871-1940) e outros tantos compositores locais pouco conhecidos pelo grande público estão, claro, presentes nos cinco CDs gravados pela orquestra. Descobrir e divulgar esse repertório – de valsas e ritmos brasileiros – alegra os jovens músicos a cada vez que cai a noite no sertão.

“As pessoas que não conhecem a nossa cultura precisam entrar no mundo da música, pois vão descobrir ritmos que nem imaginavam curtir”, incentiva o trompetista Edjarde Silva, 14 anos. “É muito bom estar aqui aprendendo música brasileira e se empolgando com ela.”



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