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4 de março de 2019

RDC: Uma Viagem às Linhas da Frente do Combate ao Ébola

Health workers put their Personal Protective Equipment on before entering the zone where people suspected of having Ebola are held in quarantine to be monitored and treated at the Ebola Transition Center. © Vincent Tremeau/World Bank

Parecem uns cubos de gelo enormes. Os módulos transparentes de nove metros, com uma tonelada de peso cada, estão cercados de pessoas que se movimentam rapidamente envergando fatos amarelos de proteção contra materiais perigosos. À primeira vista, é difícil imaginar que, no interior destas 12 estruturas a alguns metros de distância do hospital geral de Beni, se trava uma batalha de vida ou morte.

São Unidades Biosseguras de Cuidados de Emergência de Epidemias (ou “cubos” da respetiva sigla francesa). Com um custo individual de USD 17 mil, são uma componente-chave do Centro de Tratamento do Ébola de Beni (ETC). Os apressados homens e mulheres são trabalhadores da saúde nacionais e internacionais, que se mobilizaram ao longo dos últimos seis meses para combater a mais recente epidemia de Ébola e ajudar a salvar vidas. O fato amarelo é Equipamento de Proteção Pessoal que tem de ser queimado após cada utilização.

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© Vincent Tremeau/World Bank

Masika Lubaho e o marido Katsuva Mukuro vestiram a sua melhor roupa para visitar a filha de 15 anos, Julie, que está a receber tratamento em um dos cubos. “Está doente há 3 semanas. No início não queríamos levá-la ao hospital por tudo o que tínhamos ouvido sobre o Ébola”, diz Masika. “Mas na nossa aldeia, um dos nossos vizinhos tinha uma filha que também teve Ébola e foi curada. Aqui, no centro de tratamento, não nos cobram dinheiro. Deixam-me falar com ela sempre que venho visitá-la. Antes, tinha medo de cá vir mas, agora, os médicos estão a tomar conta dela. Tenho fé que ela vai melhorar”.

Instaladas em tempo recorde no mês de Agosto do ano passado pela organização ALIMA (Aliança para Ação Médica Internacional), as unidades móveis com paredes transparentes são uma inovação na luta contra o Ébola. “As mangas plásticas acopladas às paredes das câmaras permitem que os trabalhadores realizem parte do seu trabalho sem entrarem no cubo. Permitem também que as famílias vejam e comuniquem com os doentes sem risco de contaminação”, explica Jacques Étienne, chefe do centro de tratamento de Ébola da ALIMA.

Mulheres e crianças são normalmente as primeiras vítimas

De acordo com as estatísticas da UNICEF, as crianças representam mais de um terço dos casos de Ébola nas regiões afetadas pela epidemia. Uma jovem mulher chamada Kasomo sabe-o perfeitamente. Há não muito tempo, ficou confinada num cubo depois de ter perdido o seu filho de nove anos para o Ébola. “Ele morreu no hospital enquanto preenchíamos o formulário de admissão. Trouxemos o corpo dele de volta para casa e foi assim que também contraí o vírus” diz a mãe, enquanto embala nos seus braços um bebé pequenino. Kasomo foi diagnosticada a tempo e levada para o centro de tratamento do Ébola em Beni. E ela sobreviveu.

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© Vincent Tremeau/World Bank

Atualmente, Kasomo trabalha como “berceuse” — uma cuidadora prática— no centro de cuidados infantis, instalado pela UNICEF, a alguns metros do Centro de Tratamento do Ébola. A sua missão é cuidar das crianças cujas mães estejam com a doença: alimentá-las, pegar-lhes ao colo, embalá-las, fazê-las rir, enquanto as mães recuperam. É uma tarefa que Kasomo faz com amor. Como sobrevivente do Ébola, ganhou imunidade à doença, permitindo-lhe contribuir de forma valiosa para o combate à epidemia. Ela diz-nos, “Aqui no centro, amamos as crianças, consideramo-las como nossos próprios filhos. Quando o meu filho morreu, tive de queimar tudo o que era dele, as roupas…mas guardei as fotografias, as cadernetas escolares…. Lembro-me muito dele, é meu filho, trouxe-o ao mundo, não consigo esquecer-me dele. Não consigo afastar-me destas recordações. Elas são o que me ajuda a recordar o meu filho. Deitá-las fora? E o que mais pode levar para perto do meu filho”?

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© Vincent Tremeau/World Bank

Território Complexo

A cidade de Beni está numa região envolta em conflito: com uma população de 9 milhões, Kivu do Norte é uma das regiões mais frágeis do mundo. A província enfrenta muitos desafios, com dúzias de grupos armados a desafiar as instituições estatais, uma fraca prestação de serviços sociais básicos e falta de oportunidades económicas. Em conjunto, só alimentam ainda mais a frustração. Neste contexto, as equipas médicas começaram por enfrentar a resistência das comunidades que estavam a tentar servir, onde a desconfiança nas instituições por vezes impedia os esforços dos trabalhadores humanitários. A situação agravou-se no final de Dezembro, quando os habitantes de Beni e Butembo na zona oriental da RDC, os dois principais epicentros da epidemia, viram a sua participação nas eleições presidenciais cancelada por causa do Ébola. O Dr. Junior Ikomo, um médico do ETC, refere: “A transparência dos cubos e o facto de as famílias serem convidadas a visitar os doentes e os casos suspeitos ajudaram a dissipar as dúvidas das pessoas. Antes, os doentes ficavam em quarentena, sem contacto com as famílias. Os cubos permitem a comunicação entre o doente e a família”.

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© Vincent Tremeau/World Bank

Uma comunidade internacional unida ataca o Ébola

O Banco Mundial está a apoiar o esforço do Governo de conter o surto que infetou mais de 900 pessoas e tirou mais de 500 vidas na RDC, desde Agosto, e que podia espalhar-se aos países vizinhos. Os parceiros internacionais acreditam que foram demasiado lentos a intervir na África Ocidental em 2014-2015, quando o ébola causou mais de 11 mil mortes na Guiné, Libéria e Serra Leoa. Em contrapartida, aos primeiros sinais de um surto na primavera passada na província Equateur da RDC, o plano de resposta do governo foi integralmente financiado em apenas dois dias. Em simultâneo com o governo da RDC, os doadores incluíam o Grupo Banco Mundial através do financiamento da IDA e o primeiro compromisso financeiro do Mecanismo de Financiamento Urgente de Pandemias (PEF).

Quando a atual epidemia de Ébola – a décima a atingir a RDC desde 1976 — começou em Kivu do Norte, o governo fez uma parceria com a Organização Mundial de Saúde, assim como com doadores e ONG, e criou um Centro de Coordenação em Beni para apoiar a resposta. Os parceiros reúnem-se três vezes ao dia num edifício prefabricado que funciona como sede. Partilham informações em dia sobre novos casos, atualizam os números e avaliam o progresso da resposta conjunta.

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INFOGRÁFICO

O Papel do Grupo Banco Mundial

Ao longo destes últimos surtos na RDC em 2018 e 2019, o Banco Mundial em conjunto com o PEF garantiu um financiamento robusto de uma resposta abrangente ao Ébola, para que a intervenção se possa concentrar em salvar vidar em vez de na angariação de fundos. O governo da RDC e os parceiros internacionais estão agora a incrementar o esforço de Fevereiro até fins de Julho 2019 e o Banco Mundial acabou de anunciar a ajuda com um crédito da IDA no montante de USD 60 milhões para apoiar esta iniciativa. Adicionalmente, o PEF já disponibilizou um valor que atinge USD 20 milhões. Em conjunto, estes USD 80 milhões irão cobrir mais de metade do custo projetado da resposta reforçada durante seis meses, esperando-se que os outros doadores contribuam com o restante.

“Se os recursos financeiros existem, é porque o Banco Mundial e o governo do Congo não se pouparam a esforços para ajudar a dominar esta epidemia”, refere o Dr. Aruna Abedi, o Ministro da Saúde Coordenador da resposta ao Ébola.

O financiamento do Banco Mundial incide não apenas na resposta urgente ao surto mas também no reforço de longo prazo do sistema de saúde do país, a par de apoio técnico e de investimentos na preparação proativa para as pandemias. De acordo com Michel Muvudi, o especialista sénior em saúde na RDC do Grupo Banco Mundial, um aspeto crucial da atual luta contra o Ébola foi a instituição, com financiamento do Banco Mundial, de cuidados médicos grátis nas oito zonas de saúde afetadas. Nas regiões isoladas, onde apenas uma em cada cinco pessoas tem acesso a cuidados de saúde, garantir tratamento gratuito é essencial para se aceder a cuidados de saúde e combater uma doença como o Ébola, que exige uma deteção e tratamento precoces. 

“Na luta contra o Ébola, temos tendência a medicalizar excessivamente a nossa resposta e a confiar nas nossas capacidades financeiras, logísticas e técnicas acima de tudo. O paradoxo com o Ébola é que, embora seja verdade que precisamos de recursos consideráveis, incluindo centros de tratamento de última geração com médicos e enfermeiros em fatos de proteção contra matérias perigosas, o envolvimento da comunidade para travar a epidemia é igualmente importante”, diz Michel Muvudi

A Organização Mundial de Saúde (OMS) está muito ativa no terreno, com 450 pessoas destacadas nas cidades de Beni e Butembo e zonas circundantes, prestando apoio ao Ministério da Saúde no combate aos desafios decorrentes do Ébola. Abdou Salam Gueye, coordenador das operações no terreno da OMS, resume assim a situação: “O nosso papel é garantir que os recursos necessários estejam onde são necessários, na altura em que são precisos”. E acrescenta, “Se houver lugar para esperança nesta epidemia é que existe uma vacina experimental pela primeira vez” (a vacina rVSV-ZEBOV, produzida pela companhia farmacêutica Merck e financiada pela GAVI).

Até ao momento, foram vacinadas mais de 80 000 pessoas, incluindo trabalhadores da saúde que estão geralmente entre as primeiras vítimas. De acordo com o Dr. Aruna Abedi, o Coordenador do Ministério da Saúde para a resposta ao Ébola, protocolos de resposta mais eficazes e o uso de vacinas são duas medidas inovadoras que permitem o sucesso do combate. Mas o Dr. Abedi também apela à comunidade internacional para que prossiga a luta até que o surto seja contido.

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© Vincent Tremeau/World Bank

De volta ao centro de cuidados de dia, Kasomo tem uma mensagem para a comunidade internacional e médicos que a curaram. “Agradeço a todos os que trabalham na luta contra o Ébola. Sem eles, todos nós estaríamos mortos”, diz ela. “Espero que continuem a fornecer-nos os medicamentos”.

As vozes chilreantes dos pequenos a seu cargo recordam-lhe que a vida tem de continuar.