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OPINIÃO14 de março de 2024

Produtividade subutilizada das mulheres nordestinas

Desprezar esse capital é como jogar dinheiro fora

Shireen Mahdi
Folha de S. Paulo

Segundo dados de 2023[1], na região Nordeste, a taxa de participação da força de trabalho caiu para 54%; em contraste, na região Sudeste, a taxa é 65% e, no Brasil, como um todo, 62%. Surpreendentemente, isto acontece apesar do aumento da população em idade ativa na região Nordeste. A sub-representação das mulheres nordestinas no mercado de trabalho tem um papel importante nessa história. A participação dos homens na força de trabalho da região é de 66%, ao passo que a das mulheres é de apenas 44%.

Será que as mulheres e meninas nordestinas são menos qualificadas ou capazes que seus pares do sexo masculino para conseguir um emprego? Pelo contrário: as meninas da região concluem o ensino formal com resultados de aprendizagem melhores, o que lhes permite entrar no mercado de trabalho com capacidades superiores às dos homens. No entanto, essas capacidades acumuladas são pouco absorvidas pelo mercado de trabalho. O Relatório de Capital Humano Brasileiro, publicado pelo Banco Mundial, estima que, em média, 46% do potencial produtivo das mulheres brasileiras (seu capital humano acumulado) não foi absorvido pelo mercado de trabalho em 2019. No Nordeste, esse número sobe para 56%. Em outras palavras, ao deixar essas mulheres desempregadas, o Brasil e o Nordeste estão jogando muito dinheiro fora.

Trata-se de uma oportunidade perdida para uma região caracterizada por uma das estruturas demográficas mais jovens do país. O Nordeste tem condições de se beneficiar desse dividendo demográfico se puder oferecer bons resultados no mercado de trabalho a todos os seus jovens. Além disso, os nove estados da região, que, juntos, abrigavam 27% da população brasileira em 2022, representavam apenas 14% do PIB nacional — e quase 50% dos brasileiros em situação de pobreza crônica viviam no Nordeste (dados de 2021). Portanto, é difícil imaginar como o Nordeste poderia alcançar as regiões mais ricas do país e enfrentar seus profundos desafios de desigualdade sem mobilizar o talento de suas mulheres.

Há muitas razões pelas quais as mulheres enfrentam dificuldades para entrar no mercado de trabalho. As responsabilidades domésticas e os cuidados infantis são obstáculos importantes. O número insuficiente de creches e pré-escolas públicas ou com preços acessíveis amplifica os efeitos dessas responsabilidades, especialmente nos primeiros anos após o parto. Preconceitos de gênero, que desencorajam a participação de mulheres no mercado de trabalho, também impõem desafios significativos. Por exemplo, quase metade dos brasileiros acredita que ser dona de casa e ter um emprego remunerado são atividades igualmente gratificantes; mais de um terço das mulheres considera um problema ganhar mais que seus maridos; e um quinto das mulheres pensa que os homens são melhores executivos ou líderes políticos que as mulheres[2]. Outros obstáculos são a disparidade salarial entre homens e mulheres e a renda baixa do trabalho informal, que aumentam os custos de oportunidade do trabalho feminino. Além disso, outro desafio importante a ser enfrentado nas cidades da região é a criminalidade, que também contribui para a baixa participação feminina ao ampliar suas preocupações com segurança, limitar sua mobilidade e gerar sofrimento psicológico.

Tudo isso destaca a urgência de uma agenda de políticas públicas coordenada para colocar mais mulheres no mercado de trabalho. É fundamental que sejam implementadas medidas para ajudar as mulheres a equilibrar suas vidas pessoal e profissional. Para criar um ambiente mais favorável para as mulheres, é necessário aumentar a oferta de serviços de cuidados infantis a preços acessíveis, promover flexibilidade no trabalho e garantir licença parental remunerada e benefícios de maternidade e paternidade. As políticas e os programas que apoiam o empreendedorismo das mulheres, tais como o acesso a recursos financeiros e à formação, podem ajudar a empoderar as mulheres, especialmente as muitas que atuam no setor informal. Políticas de igualdade salarial entre homens e mulheres e iniciativas de combate a estereótipos e à discriminação são igualmente importantes. Isso inclui incentivos às empresas para que promovam maior diversidade de gênero, inclusive em posições de liderança e conselhos de administração, para, assim, servirem como exemplo poderoso para as meninas de todo o país. Por fim, combater a criminalidade e melhorar a segurança pública nas ruas, nos locais de trabalho e no transporte público são medidas cruciais para a criação de um ambiente favorável onde as mulheres se sintam seguras para participar da força de trabalho.

O Nordeste, uma região com muito potencial e muitos desafios, parece ignorar a riqueza oculta do potencial de suas mulheres. Vamos transformar essas mulheres e meninas num motor de crescimento futuro para a região.

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[1] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

[2] Banco Mundial. Relatório de Capital Humano Brasileiro - Investindo nas Pessoas (2022).

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