Com sua versão atual criada em 2012, o Acordo Geral de Compras Governamentais (GPA, na sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC) é um tratado plurilateral que abrange 48 países da OMC, com seu cerne na Não Discriminação entre seus Membros na participação em licitações públicas. Juntos, eles constituem um mercado estimado em US$ 1,7 trilhão por ano. No Brasil, segundo dados da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, as compras públicas têm um volume anual igual a 12% do Produto Interno Bruto (PIB), o que significou, apenas em 2019, cerca de R$ 876 bilhões. A adesão do país ao GPA criaria condições para fortalecer a economia do país, contribuir para sua maior inserção no mercado mundial e melhorar a gestão das empresas nacionais, tornando-as mais competitivas.
O Brasil manifestou formalmente sua intenção de adesão como membro pleno do Acordo em maio de 2020 e, como parte do processo, respondeu a um questionário padrão que analisa a conformidade das regras e procedimentos de compras públicas do país com as obrigações do Acordo. Em 3 de fevereiro de 2021, apresentou sua oferta de acesso a mercado que lista não apenas os órgãos e as entidades da Administração Pública que passarão a fazer contratações públicas abertas à concorrência dos Países Membros, mas também os tetos acima dos quais as licitações estarão a eles abertas e os bens, serviços e obras públicas abrangidos. O Banco Mundial e o Instituto Protege analisaram a legislação nacional para identificar potenciais barreiras à adesão e auxiliar na avaliação do equilíbrio entre aquelas que seriam legítimas e as que poderiam ser consideradas inválidas no contexto do GPA.
Mais especificamente, o estudo buscou identificar áreas onde a legislação nacional conflitaria com os princípios do GPA e propôs soluções para ajudar o país em seu processo de adesão ao Acordo. Para isso, foram analisadas as diversas normas sobre contratações públicas incluindo Administração direta da União, estados, Distrito Federal e municípios e diferentes modalidades de licitação (por exemplo, convencionais ou pregão). O estudo considerou, ainda, procedimentos específicos adotados por diferentes órgãos.
A análise mostrou que é possível harmonizar o regramento local sem a necessidade de alterar a Constituição Federal. De fato, constatou-se que vários dos conflitos já encontrarão soluções em recentes atualizações normativas, já efetivas ou em andamento, como a IN 10/2020 editada pela Secretaria de Gestão do Ministério da Economia e a nova Lei de Licitações PL1292/1995, que aguarda apreciação pelo Senado Federal. Então o momento é muito oportuno, já que o PL1292/1995 ainda pode ser aditado para dar solução aos conflitos pendentes, como por exemplo a exigência de liderança de empresa nacional em consórcio com empresas estrangeiras, aplicação de margem de preferência a produtos nacionais, exigência de consularização de documentos e outros.
O estudo analisou ainda barreiras encontradas nas ofertas de adesão de outros países, como os Estados Unidos e a Austrália, que foram objeto de ressalvas. Isso significa que países, que como o Brasil, fizeram sua proposta inicial com leis que restringiam a participação de estrangeiros em licitações, foram solicitados (ressalvas) pelos outros países membros, durante as negociações, a corrigir suas leis. A Austrália, último país a aderir ao GPA, serviu de estudo de caso, com o objetivo de ajudar o Brasil a enfrentar menos ressalvas e a se preparar para as negociações que se seguirão à sua oferta inicial.
O estudo concluiu que os conflitos entre os princípios do GPA e a normativa brasileira podem se resolver. Sua solução pode passar por dois caminhos: o primeiro, a edição de uma nova norma única, tal como prevê a Lei Complementar nº 95/1998. Nela seriam tratados todos os temas indicados no estudo por meio do diagnóstico normativo e da identificação das possíveis estratégias de adesão e suas implicações para o Brasil. O segundo lidaria com a questão de várias normas de licitação, considerando que um Acordo Internacional entra em vigor no Brasil por meio de Decreto do Presidente da República, após a edição do ato do Poder Legislativo, e que nesse Decreto poderiam ser resolvidas várias questões de conflito. Na mesma norma seriam estabelecidos os períodos futuros de aplicação dos dispositivos que exigem a formalização por lei ordinária, encaminhando-se ao Congresso Nacional o projeto de lei com os temas remanescentes.
Além da avaliação jurídica é necessário que o país considere os impactos econômicos da adesão, seu efeito no comércio interno, na exportação de produtos e do ingresso de empresas estrangeiras nas compras governamentais. Importante lembrar que o GPA, uma vez aprovado pelo Congresso Nacional, valeria para todos os entes federativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE sobre como políticas de licitação podem afetar o comércio internacional (OECD Trade Policy Papers No. 199) apresenta uma análise empírica que sugere que os ganhos com as licitações restritas a nacionais são, na melhor das hipóteses, modestos, comprometendo o “Value for Money” e com maiores custo para os governos, que se revertem apenas em maiores lucros para as empresas.
A OCDE apresenta como potenciais ganhos na adesão ao GPA a maior concorrência e melhor relação custo-benefício; ganhos em governança, com maior transparência, integridade e equidade nas licitações; e incentivo ao investimento estrangeiro direto, fruto do compromisso com a transparência e não discriminação requeridos pelo GPA.
Esta coluna foi escrita em colaboração com Frederico Rabello, especialista sênior em Compras Públicas do Banco Mundial.