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OPINIÃO 10 de julho de 2020

O desafio de manter o ajuste fiscal de médio prazo no contexto da COVID-19

A pandemia da COVID-19 apresenta um grande desafio para o processo de consolidação fiscal no Brasil. O quadro fiscal já era delicado antes da crise, por causa do baixo crescimento econômico, alta dívida pública, baixo crescimento real das receitas públicas e crescimento elevado de gastos obrigatórios com previdência e pessoal. A recessão econômica projetada para 2020 e o aumento da dívida pública em 2020 tornou o ajuste fiscal bem mais difícil de 2021 em diante.

Para combater a crise na área da saúde e minimizar os efeitos da redução de renda das famílias mais vulneráveis decorrentes da menor atividade econômica, o governo federal apresentou um pacote de medidas fiscais que soma aproximadamente 7,3% do PIB. Para os governos subnacionais, o governo federal comprometeu-se a manter as transferências dos fundos de participação dos estados e municípios (FPE e FPM) no mesmo nível observado em 2019. Além disso, confirmou transferências para financiar gastos relacionados à crise da saúde.

Mais recentemente, foi aprovado mais um pacote de ajuda para estados e municípios, com R$ 60 bilhões (0.9% do PIB) em transferências para compensar parcialmente as perdas de receitas tributárias próprias (ICMS e ISS), e financiar despesas relacionadas à COVID-19. R$ 50 bilhões serão de livre uso para que cada ente possa arcar com as suas despesas em um cenário de frustação de receitas tributárias. O restante deverá necessariamente financiar despesas de saúde e assistência social.

Além disso, o pacote englobaria a suspensão do pagamento de dívidas dos entes subnacionais com o governo federal e autoriza que contratos com outros credores sejam renegociados. O ideal é que os estados não concedam aumentos salariais aos seus servidores públicos para dar maior flexibilidade ao orçamento e focar nas áreas mais prioritárias (algumas exceções poderiam ser colocadas para servidores críticos na área de saúde, por exemplo). Porém, esse ponto ainda não está definido.

Considerando as medidas já aprovadas, estima-se que o déficit primário do Brasil termine 2020 acima de 8% do PIB, o que representa um aumento de, pelo menos, 7 pontos percentuais em comparação com 2019 e 6,7 pontos percentuais acima das estimativas pré-COVID-19.

Em um cenário pessimista, o déficit primário do Brasil pode chegar a 10% do PIB. O menor crescimento do PIB, associado a um maior déficit primário em 2020 e a um potencial aumento do custo da dívida devido à maior incerteza impactarão fortemente a trajetória da dívida pública. Estima-se que a dívida pública salte para 91,5% do PIB em 2020 e estabilize em 2028 em 101,6% depois de terminar em 75,8% em 2019. Já no cenário pessimista, a dívida estabilizaria apenas na próxima década, em 2032, em 119,6% do PIB.

Mas o cenário pode ser ainda pior, uma vez que o governo federal precisará lidar com a materialização potencial de grandes passivos contingentes. Alguns deles são relacionados a dívidas dos governos subnacionais, outros, aos principais setores e serviços públicos (eletricidade, água, transporte) muitos dos quais entraram na crise com finanças fracas.

Embora seja cedo para a exata mensuração das vulnerabilidades fiscais resultantes da COVID-19, é certo que o setor público precisará de esforços adicionais para promover a consolidação fiscal a partir de 2021. A promoção da consolidação fiscal depende da implementação de uma agenda de reformas estruturantes para controlar as despesas obrigatórias e acelerar o crescimento econômico. Para isto, o Brasil deveria observar os seguintes princípios:

  1. Garantir que as medidas de crise, de fato, sejam temporárias.
  2. Reafirmar a regra de teto de gastos federal como âncora fiscal no Brasil, que controla a despesa pública e orienta o processo de consolidação fiscal. Para cumprir com a regra do teto o governo vai precisar (i) aumentar a flexibilidade do orçamento público para controlar melhor os gastos e realocar despesas de acordo com as necessidades. Um primeiro passo neste sentido seria dado pela aprovação das três propostas de emenda constitucional (as chamadas PECs emergencial, dos fundos públicos e do pacto federativo) que estão no Congresso. Além disso, precisará (ii) implementar reformas administrativas para reduzir despesas recorrentes estruturais.
  3. Reduzir passivos contingentes da União para promover o adequado compartilhamento de riscos fiscais entre governo federal, estados e municípios. Para isso, precisa-se de (i) adoção de sistemas que reduzam o risco moral no relacionamento federativo; e (ii) acelerar reformas nos entes subnacionais para reduzir gasto estrutural (por exemplo, finalizando o processo de reforma previdenciária em estados e municípios).
  4. Retomar a agenda de crescimento econômico de longo prazo, que inclui medidas para melhorar o ambiente de negócios, baratear o custo dos fatores de produção e aumentar a inserção do Brasil nas grandes cadeiras de valor globais através da maior abertura ao comércio internacional. Medidas muito relevantes seriam reformar o sistema tributário nacional, com vistas a aumentar a eficiência alocativa dos fatores de produção e favorecer uma maior abertura comercial.

As incertezas quanto aos impactos da COVID-19 ainda são elevadas. E se a crise for prolongada ou se novas ondas de pandemia acontecerem, novas paradas na atividade econômica poderão ser necessárias, aprofundando a recessão e atrasando a recuperação. Isso poderia exigir a extensão das medidas temporárias adotadas pelo governo, piorando o déficit fiscal e forçando um ajuste fiscal ainda mais forte na sequência.

Portanto, reforçar o compromisso do Brasil com a retomada da agenda de reformas econômicas e fiscais ajudaria a segurar a confiança dos investidores e a obter acesso a fontes de financiamento mais baratas, acelerando a recuperação da economia quando a crise de saúde estiver controlada.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Rafael Ornelas, economista do Banco Mundial, e Fabiano Colbano, economista sênior do Banco Mundial no Brasil.

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